CUT: A imprensa e os analistas conservadores têm dito que a
fórmula 85/95, apesar de até reconhecerem que vai facilitar a vida dos futuros
aposentados, vai prejudicar as contas do País, inclusive produzindo
desconfiança nas agências de risco e classificação. Isso é verdade?
Fagnani: Em geral, especialmente no tocante à Previdência,
eles cometem uma desonestidade intelectual. Eu acho que há sempre um conflito
de interesses, porque em geral eles têm ligações com o sistema financeiro, seja
como clientes, seja como parte do conglomerado. Eu andei vendo uns números que
eu fiquei absolutamente assustado. Esses números que estão sendo divulgados são
falsos. Ninguém tem esses números.
Que tipo de números?
Têm sido divulgados números sobre o impacto nas contas da
Previdência. São números que sequer o Ministério da Previdência ainda tem,
sobre a análise desse impacto. Na verdade eles continuam fazendo um terrorismo
econômico com a Previdência, porque há outra razão: a Previdência é o maior
investimento social que existe, de 8% do PIB. Então o que está em jogo é
capturar esses recursos, retroceder nesses direitos para capturar esses
recursos.
Privatizar?
É capturar o recurso, quer dizer, você suprime direitos, faz
uma nova reforma da Previdência, ela vai deixar de gastar um tanto, então você
pode gastar esse dinheiro com a questão financeira. Esse que é o jogo. Já desde
a Constituição de 1988 há essa tentativa de demonizar a Previdência. A
Previdência é a Geni da República, porque ela é o maior gasto social. Isso eles
nunca aceitaram. A gente tem visto mitos sobre isso que não correspondem à
realidade. Desde o mito que existe déficit, de que no Brasil não existe idade mínima,
e por aí vai. No caso do fator, o que a gente tem de entender é o seguinte...
No caso do fator ou da fórmula 85/95?
No caso do fator previdenciário, as aposentadorias por tempo
de contribuição tendem a ser residuais no futuro. Porque esse tipo de aposentadoria
diz respeito a pessoas que entraram no mercado de trabalho quando o mercado
ainda dava alguma segurança. Então as pessoas ficavam muito tempo num mesmo
emprego. Dos anos 90 pra cá, a tendência é que dificilmente um trabalhador
fique num mesmo emprego, no mercado formal, por 35 anos. Os dados do ministério(da
Previdência)mostram que em 2011, por exemplo, 55% das aposentadorias
foram por idade. 17% por invalidez. E as aposentadorias por tempo de
contribuição, que são essas do fator, o estoque é de 28%. Então, a tendência é
de que cada vez mais as aposentadorias por idade sejam preponderantes. Desde a
emenda constitucional 20 de 98, há duas formas de se aposentar. Uma é por
idade, 65 anos homem e 60 mulher.
65 anos homem e 60 mulher?
Existe a aposentadoria por idade. 65 anos homens e 60
mulheres, mais 18 anos de contribuição. Esta forma tende a ser a aposentadoria
preponderante, pelas características do mercado de trabalho. A fórmula 85/95
dá, por exemplo, numa conta hipotética e simplificada, 60 anos de idade mais 35
de contribuição. Isso não existe em lugar nenhum do mundo. Não existe lugar
nenhum no mundo em que você tem de comprovar tanto tempo de contribuição e de
idade. Se você pegar os países europeus, em geral, a aposentadoria é em torno
de 60, 62 anos, 65 no máximo, e muitos nem exigem tempo de contribuição, exigem
só tempo de trabalho.
Por exemplo?
Vários. Na Dinamarca, a idade mínima de aposentadoria é 65
anos. A França é 62.
Mas sem pedir tanto tempo de contribuição.
São muito poucos os países que exigem tempo de contribuição.
O que eu quero dizer é que as regras brasileiras não são uma jabuticaba, não
são um ponto fora da curva. Já são extremamente restritivas. Se você comparar a
realidade socioeconômica e demográfica desses países... Como eu vou
comparar a situação de um país europeu, do ponto de vista da renda per capita e
do PIB com o Brasil? Não obstante, nós já temos desde 1998 essa regra de 65 e
60 anos por idade. Mais a exigência de contribuição, nossas regras são bem mais
rígidas que as desses países. Especialmente quando se leva em conta a
expectativa de vida. Se levada em consideração a exigência de tempo de
contribuição, estamos em patamar semelhante ao dos Estados Unidos, 35 anos.
No Brasil, então, na situação menos severa, temos de ter no
mínimo 18 anos de contribuição, o que já é bastante draconiano.
Em 1998(na reforma previdenciária pretendida pelo
governo FHC), eles queriam estabelecer 65 e 60 anos, mais 35 anos de
contribuição, o que seria a hipótese mais restritiva do mundo. Mas a
resistência a essa ideia forçou e deu origem a duas formas de contribuição. Ou
você se aposenta com 65 ou 60 anos e mais 18 anos de contribuição, ou você se
aposenta com 35 ou 30 anos de contribuição, considerando ainda as variações do
fator previdenciário. O que eu quero dizer é que afirmam que no Brasil não
existe aposentadoria por idade, que não existe idade mínima. Isso é mentira.
Não dá para comparar a realidade dos países, mas nos dois casos temos fórmulas
semelhantes aos países escandinavos.
Não dá pra comparar porque é bem mais fácil chegar aos 60 ou
65 anos na Suécia do que no Brasil.
Não dá pra comparar porque a distribuição de renda lá é bem
melhor. O Brasil tem a 15ª pior distribuição de renda do mundo. Não dá
para comparar um país de capitalismo tardio, subdesenvolvido, com países
desenvolvidos, em termos de PIB per capita. Embora as diferenças sociais sejam
abissais, nós já temos desde 1998 um padrão de exigência semelhante aos dos
países desenvolvidos.
A fórmula 85/95, então, suaviza a situação atual, mas
continua sendo bastante rígida?
Ainda está dentro de um padrão clássico.
Mas você acha a fórmula 85/95 melhor e, se sim, que pontos
positivos você vê?
É claro que a 85/95 é muito melhor do que o fator. É muito
melhor porque não penaliza as pessoas. Não há dúvida alguma que é melhor. Mas
isso não é nada absurdo em relação ao que existe em países desenvolvidos. Então
você está consertando, mas não está concedendo nada de extraordinário em
relação à realidade internacional. E o impacto financeiro disso tende a ser
cada vez menor no futuro, pois as pessoas cada vez mais vão se aposentar por
idade.
No início da entrevista, você dizia que ninguém tem números
confiáveis para dizer qual o impacto que a 85/95 vai ter nas contas da
Previdência.
Nem o ministério tem. O próprio Levy(Joaquim Levy,
ministro da Fazenda), diz que ainda estão fazendo os cálculos.
Então, não temos também certeza se não causará impacto negativo...
Haverá impacto, mas não esses que algumas pessoas estão
dizendo. Não será nada significativo como andam dizendo.
Esse impacto pode ser compensado pelo aumento da arrecadação
advindo de melhores aposentadorias no futuro, de mais dinheiro no bolso?
É difícil dizer. Mas olha, a questão é: vai quebrar a
Previdência? Não vai quebrar porque, esse é outro mito, a Previdência não tem
déficit. Isso é outra desonestidade intelectual que se comete. Não existe
déficit nas contas da Previdência à luz da Constituição. A Previdência é parte
da Seguridade Social, não é com a contribuição dos trabalhadores urbanos que se
financia a Previdência. A aposentadoria urbana é superavitária, mas não é ela
que cobre a aposentadoria rural. Artigo 194 da Constituição. O que financia a
aposentadoria urbana, rural, saúde, assistência social e seguro-desemprego é a
folha de salários do empregador e do empregado, é a Cofins(Contribuição para
Financiamento da Seguridade Social), é a contribuição sobre o lucro e o
PIS-PASEP. Isso está na Constituição. E os estudos da ANFIP(Associação
Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil), a única
instituição que faz essa conta, mostram que a Seguridade Social sempre foi
superavitária. Em 2013, foi superavitária em R$ 60 bilhões, mesmo com a
Desvinculação das Receitas da União, que tira R$ 20 bilhões dessa receita.
Existe dinheiro para isso. Esse dinheiro é desviado. Segundo ponto: se você
quiser financiar isso, por que não acaba com a desoneração sobre a folha para
as empresas, que a meu ver foi um erro do governo? Em 2014, essa desoneração
patronal está retirando da Seguridade R$ 25 bilhões.
Fazem terrorismo econômico com a Previdência porque ela é o
maior investimento social que existe, em torno de 8% do PIB.
Há outras formas de obter dinheiro para esse fim?
A Receita Federal estima que só em renúncias fiscais, em
2014, serão R$ 260 bilhões. Equivalem a praticamente 25% das receitas da União
que se deixa de arrecadar, só com essas concessões. As desonerações chegam a
quase 5% do PIB. Essa ideia de que não tem dinheiro é uma falácia. Por que você
não renegocia 30% dessas renúncias? Seriam quase R$ 80 bilhões. Eu nem quero
falar em reforma tributária, que é taxar dividendos, fortunas. O ajuste fiscal
poderia se dar por aí. Então, esse argumento de que vai quebrar, vai quebrar,
vai quebrar, não tem justificativa.
Outro dia um especialista em contas públicas afirmou à
imprensa que a fórmula 85/95 será vista com maus olhos pelas agências de risco
internacionais. Quem são essas agências e como escapar da influência delas?
Essas agências de risco são organizações totalmente
desacreditadas. Os bancos americanos que quebraram em 2008 tinham triplo A(nota
máxima dada pelas agências, espécie de atestado de boa administração e confiabilidade).
Essas agências são espadas que se colocam sobre a cabeça dos países
subdesenvolvidos, exigindo superávit primário. O que está em jogo é uma decisão
política, de soberania nacional.
A Argentina tomou algumas medidas de enfrentamento, e está sofrendo
um bocado.
Olha, eu não sou ingênuo de achar que temos uma correlação
de forças favorável. Mas dizer que não temos alternativa é outra coisa. Eu
citei só duas, a revisão de parte das renúncias fiscais e a taxação de grandes
fortunas. Superávit primário não se consegue apenas com redução de despesas.
Porque, se não tem mais onde cortar gastos ou investimentos, onde se ataca? Os
direitos sociais, como é o caso das MPs 664 e 665. Por que não aumentar
receitas em lugar de cortar direitos sociais?
Mesmo que não fizéssemos essa revisão das renúncias fiscais
nem taxássemos as grandes fortunas, e apenas aprovássemos a 85/95, ainda assim
não quebraríamos o País?
Imagina, isso é uma estultice sem tamanho. Isso é terrorismo
econômico. É como se o País não tivesse alternativa. Você tem essas
alternativas de que falamos e ainda tem a alternativa de o País crescer. Se o
País crescer, aumentam as receitas. O Brasil foi o país que mais fez superávit
primário no mundo de 2007 a 2013. Porque a economia crescia.
E mesmo assim, não tivemos nenhuma concessão por parte das
agências de risco. Poderíamos seguir a cartilha a vida toda e ainda assim
seríamos punidos.
Com essa gente, quando mais se dá, mais eles querem. Isso
foge um pouco da nossa pauta, mas o fato é que nosso governo não soube se
defender. Por exemplo. Essa crise de que tanto falam. Essa crise não existe.
Essa é uma crise fabricada. No final de 2014, nossa taxa de desemprego é de
4,8%. Que país do mundo tem uma taxa de 4,8% de desemprego? Nenhum. Como se
pode dizer que estávamos numa crise? Relação dívida líquida e PIB, 35%. Qual a
relação dívida líquida e PIB na Europa? 150%, em média. Japão? 200%. Eles devem
dois PIBs, a Europa deve um PIB e meio. Como é que nós estamos em crise?
Isso no final de 2014?
Sim. Repare, há uma crise internacional, e nós não somos uma
ilha, então há reflexos aqui dentro. Acho que precisávamos fazer um ajuste. Mas
não esse ajuste que o governo propôs. Agora sim, em 2015 vai haver crise.
Estamos no quarto mês seguido de queda na produção industrial, a renda do
trabalhador caiu 4% em relação a março do ano passado. Agora sim, nós vamos ter
uma crise. O pacote do Levy corta gastos, corta investimentos, freia a Caixa,
freia o Banco do Brasil, freia o BNDES. O que eu quero insistir é que esse
argumento das agências de risco que vai ter crise fiscal, crise sem
precedentes, isso esse pessoal fala desde 1988. É a tese do "país
ingovernável”. O que os economistas do mercado diziam sobre aumentar o salário
mínimo? "Vai quebrar a Previdência”. E o que aconteceu? Aumentamos o salário
mínimo 70% acima da inflação e a Previdência urbana é superavitária. Terrorismo
puro.
Você tem ideia do tamanho desse superávit?
Em 2012, que são números que tenho, a Previdência urbana
teve superávit de R$ 25 bilhões, tirando as renúncias. Mas se você colocar as
renúncias, o superávit foi de R$ 40 bi. Em 2007, o ministro Nelson Barbosa
enfrentou essa questão. Ele disse que se o governo quisesse fazer renúncia, que
cobrisse o valor com recursos do Tesouro. A partir dali o ministério começou a
fazer esse cálculo das renúncias. A Previdência tem tido superávit porque o
Brasil vinha crescendo. Agora sim, podemos ter problemas, mas não por causa do
fator, mas porque vamos produzir uma recessão, por causa da redução de receitas
vinda desse pacote.
Vamos fazer um exercício de imaginação. Se as medidas
recessivas adotadas fossem suspensas a partir deste momento, quanto tempo
levaríamos para eliminar os efeitos negativos?
Esse é um problema. Eu discordo dessa ideia do governo de
que vamos fazer um ajuste agora e depois o País vai voltar a crescer. Isso não
existe em economia. Economia é feita de expectativas, então quando você diz
"vou puxar o freio”, todas as previsões que os empresários farão nos próximos
anos serão de puxar o freio. Desfazer essas expectativas leva um tempo.
*CUT
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