"Vai ter tempo para discutir o projeto na comissão especial
da Câmara, depois nas duas votações na Câmara, mais a comissão especial no
Senado, mais as duas votações”, disse Lira aos deputados que queriam mais tempo
para debater a PEC. Segundo ele, a não votação da proposta está "atrapalhando
os trabalhos da comissão”. A votação da admissibilidade é o que define se um
projeto é ou não constitucional. Só depois disso o texto pode ir às outras
comissões e ao plenário.
Um dos que reivindicou mais discussão foi Alessandro Molon
(PT-RJ). Para ele, a audiência pública realizada na última terça-feira (24) não
foi suficiente, pois só houve tempo para ouvir dois juristas. Um favorável e um
contrário à proposta.
"Esse debate não é simples, toda essa polêmica aqui prova
isso. Não queremos procrastinar. Queremos que se respeite a audiência pública.
Porque votar isso com pressa e não ouvir juízes, promotores, defensore? Qual o
medo que essa comissão tem de ouvir essas autoridades?”, questionou Molon.
A audiência do dia 24 durou somente uma hora, devido a uma
discussão entre manifestantes contrários à PEC e o deputado Alberto Fraga
(DEM-DF). Também houve fortes embates entre Molon, contrário, e Laerte Bessa
(PR/DF), favorável. Os ativistas lotaram o plenário da CCJ no dia da audiência.
O vice-líder do governo, Silvio Costa (PSC-PE), considera
absurda a própria discussão da proposta, que considera inconstitucional. "Perda
de tempo é estarmos aqui discutindo um projeto que é claramente
inconstitucional. A idade penal é cláusula pétrea. Mudar isso vai contra a
dignidade da pessoa humana”, afirmou.
No entanto, grande parte dos deputados da CCJ, provavelmente
a maioria, é favorável à medida e quer votá-la. O deputado Vitor Valim
(PMDB-CE) protestou contra o que considera "protelações” do processo. "Esses
manifestantes que aqui estão não representam a maioria da população brasileira.
Esses deputados que impedem a votação estão na contramão do que quer o Brasil”,
afirmou.
O potiguar Felipe Maia, dos DEM, igualmente acreditando que
a redução da maioridade atende anseios populares, defendeu que a falta de
audiência pública não impede de votar a matéria. "Vai chegar o momento em que
esse projeto terá de ir ao plenário da Câmara. Se não for debatido e votado
aqui, o presidente da Casa [Eduardo Cunha (PMDB-RJ)] vai cumprir o papel dele e
atender a vontade do povo de levar o projeto à votação”, ameaçou.
Ativistas contra
Para o militante da União de Núcleos de Educação Popular
para Negros e Classe Trabalhadora (Uneafro) Douglas Belchior, os parlamentares
pretendem forçar o projeto para conseguir algum avanço na causa da redução da
maioridade penal. "A estratégia é clara. Paralelo à PEC 171 tramita um projeto
de lei que aumenta o tempo de internação. Os deputados favoráveis vão forçar o
máximo que puderem e então vão propor o aumento do tempo de internação como uma
solução de meio termo”, defendeu.
Belchior avalia que boa parte do apoio a PEC vem de um apelo
popular construído pela grande imprensa, sobre um sentimento de vingança e não
com o objetivo de resolver o problema. "Esses argumentos de aumento da
violência dos jovens, de impunidade, não se sustenta. Também não é verdade que
existe quase 100% de apoio à proposta. O que há é um posicionamento superficial
e despolitizado em relação ao tema”, explicou.
Segundo ele, os movimentos sociais estão organizando
campanhas em todo o país e nas redes sociais para esclarecer a população sobre
a situação de vulnerabilidade da maior parcela da população jovem do Brasil.
"Precisamos sair desse lugar-comum de dizer que não existe punição e que a lei
não funciona. Existe sim a responsabilização. Só que a lei nunca foi aplicada
em sua plenitude. E não é agora jogar o texto fora e colocar os jovens em
cadeias comuns que vai resolver o problema”, afirmou.
De acordo com dados do Levantamento Nacional de Atendimento
Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei, de 2011, somente 0,09% dos
jovens brasileiros entre 12 e 17 anos cumpre medidas socioeducativas por ter
cometido ato infracional. O índice cai para 0,01%, se considerar a população
total do país. Em relação à população carcerária total, o número de
adolescentes em conflito com a lei que cumpriam medidas em centros de
internação, em 2011, correspondia a 3,8% das 514 mil pessoas cumprindo penas no
Brasil.
Além disso, entre 2002 e 2011 houve uma redução percentual
de atos graves contra pessoa. Ao contrário do que alegam os defensores da
redução da maioridade penal. O homicídio apresentou redução de 14,9% para 8,4%;
a prática de latrocínio foi reduzida de 5,5% para 1,9%; o estupro, de 3,3% para
1,0%; e lesão corporal, de 2,2% para 1,3%. O roubo, o furto e o tráfico, que
não constituem crimes contra a vida, respondem por cerca de 70% dos atos
infracionais cometidos por crianças e adolescentes.
Belchior lembrou que é preciso combater a violência contra
os jovens. "Essa, sim, faz vítimas todos os dias”. O serviço Disque 100, de
recepção de denúncias de violação aos direitos humanos, registrou, em 2011,
120.344 atendimentos relacionados a violência contra crianças e adolescentes;
46,7% dos casos eram de violência física. A violência sexual correspondeu a
outros 29,2% das denúncias.
"Nós defendemos o ECA e o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (Sinase). Existe uma confusão gigantesca entre responsabilidade
penal e maioridade penal. No Brasil a responsabilidade se dá a partir dos 12
anos. No mundo, somos um dos países que responsabiliza mais cedo e o ECA é
internacionalmente reconhecido como uma das melhores legislações do planeta. O
problema é que o Estado brasileiro e os governos estaduais nunca se empenharem
em transformar o texto em realidade”, completou Belchior.
O militante ressaltou que várias organizações de classe,
ONGs e movimentos sociais do país são contra a redução da maioridade penal. "É
preciso que elas voltem à cena para colocar suas posições”, cobrou. A Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), o Ministério Público Federal (MPF) e a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) já se posicionaram contra a
proposta anteriormente, por considerá-la uma afronta à Constituição e que não
resolve o problema da violência no Brasil.
Em 5 de março deste ano, a Secretaria
de Direitos Humanos da Presidência da República emitiu nota técnica se
posicionando contra a aprovação da PEC 171 e todas as demais 32 anexadas a ela.
No dia 18, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), órgão da ONU
responsável por acompanhar a implementação da Convenção sobre os Direitos da
Criança, se
declarou contra a redução da maioridade penal.
"É perturbador que um país como o Brasil esteja tão
preocupado em priorizar a discussão sobre punição de adolescentes que praticam
atos infracionais registrados ocasionalmente, quando torna-se tão urgente
impedir assassinatos brutais de jovens cometidos todos os dias”,diz um
trecho da nota do Unicef. *RBA
|