O documentário é completo. Produzido pelo Coletivo Catarse,
o filme deixa clara a relação de causa e efeito entre assédio moral e casos de
afastamento por adoecimento psíquico. Os personagens reais contam suas
histórias de sofrimento. Sofrimento, aliás, que, muitas vezes, nem sabiam que
estavam passando. "Tem uma luta de classes envolvida nessa evidência que o
assédio moral se tornou como causador de sofrimento no ambiente do trabalho. A
gente só consegue avançar se compreender que os patrões nos exploram. Nós damos
colo e ombro para chorar no Sindicato. Mas não para ficar se lamentando. É para
construir a luta de forma coletiva”, disse o ex-presidente do SindBancários,
Mauro Salles (2011-2014), abrindo os trabalhos do debate posterior à exibição
do filme em uma sessão lotada.
Veja aqui galeria de fotos da sessão de estreia e do debate.
Aliás, é preciso abrir um parêntese aqui. Após a estreia, a
plateia, formada a maioria por bancários e integrantes do Grupo de Ação
Solidária (GAS), do SindBancários, parecia atônita. De um lado, a estruturação
do assédio moral nos ambientes de trabalho dos bancários e a prova dele no
afastamento e nas histórias de vida dos bancários que deram depoimentos no
filme, soam como um soco no estômago. De outro lado, a beleza estética da
produção, com direito a um maravilhoso sol do Guaíba a ilustrar a esperança e a
importância de manter a temperatura da luta muito alta contra o assédio moral.
"Esse filme é um trabalho coletivo que a gente faz. Fizemos
em um ano. A participação da Catarse é dar um pouco de visibilidade às pessoas
que ajudam a mudar o mundo. Aprendemos muito. Só temos a agradecer aos
bancários que participaram. É um ato de extrema coragem. Motivo de orgulho e
muito aprendizado. Imaginava que quem trabalhava no banco estava no
ar-condicionado. Quando conhecemos a realidade, encontramos gente de coragem,
que estuda, que trabalha muito”, disse Marcelo Cougo, do Coletivo Catarse.
Retribuição e agradecimento ao Sindicato
O bancário Rodrigo Rodrigues é um dos exemplos da coragem a
que todos se referiram durante o debate. A história que Rodrigo conta é de quem
sempre gostou de ser bancário. Pode-se dizer que ele ainda gostaria, mas os
dois tiros que levou em um assalto o levaram ao sofrimento. Não dava para
continuar. Curiosamente, ele disse que não fez nenhum ato de coragem ao trazer
seu sofrimento a público. Corajosamente, ele diz que só tem a agradecer.
Falando em nome dos colegas que participaram do filme, o discurso de Rodrigo é
exemplar.
Que aprendamos com o seu exemplo. "Não considero a
participação no filme um ato de coragem. É um ato de retribuição por tudo
aquilo que o Sindicato fez por nós. Aproveito para dizer que vivemos um momento
crucial. O país pode ter uma virada de jogo. Abre-se, nesta eleição, a
oportunidade para a terceirização tomar frente no nosso país. É obrigação minha
retribuir. Nós bancários somos iluminados por termos o nosso Sindicato ao nosso
lado”, avaliou ele, acrescentando que setores da Justiça do Trabalho, como o
MPT (Ministério Público do Trabalho) fazem um excelente trabalho e que é
preciso que a população conheça melhor seus direitos.
Desconhecimento profundo?
A juíza auxiliar da Corregedoria do TRT 4ª Região, Andrea Nocchi, reconhece que
a Justiça do Trabalho ainda precisa ampliar conhecimento a respeito do assédio
moral que é usado como ferramenta de gestão para explorar os trabalhadores. E
precisa entender também que essa forma de organização do trabalho tem produzido
uma verdadeira epidemia de doenças psicológicas. Mas é preciso que se entenda
que juízes são trabalhadores. Que, mesmo sendo servidores públicos, têm metas a
cumprir.
"Os juízes do trabalho desconhecem a profundidade desse
problema. Ainda estamos nos qualificando para enfrentar o assédio moral,
sofrimento mental que são fenômenos que chegaram mais recentemente à Justiça
com maior frequência. Estamos num processo de construção desse conhecimento.
Acredito que boa parte de nós, juízes, que somos trabalhadores e temos metas a
cumprir, como servidores, estamos cientes do efeito danosos que a terceirização
vem causando, como doenças, acidentes e cancelamento de direitos. Juízes do
Trabalho estão na luta contra o PL 4330”, observa Andrea.
Mudança de abordagem na psicologia
A doutora em psicologia da UFRGS, Maria da Graça Jacques,
conhece os bancários e a origem da estruturação do sofrimento psíquico. Ela
estuda esse efeito e acompanha pesquisas que o SindBancários produziu em
parceria com a UFRGS. A psicologia que ela escolheu é aquela que não apenas
subjetiva a doença. Há uma clara relação de causa, bem documentada e provada,
entre trabalho e saúde (sofrimento, adoecimento) mental. Aliás, o sofrimento
psíquico é a maior causa de afastamento do trabalho desde que foi descoberto
entre as décadas de 1970 e 1980.
"Precisamos explicitar essas denúncias de assédio moral e percorrer o caminho
teórico. O sofrimento psíquico não é só pessoal, da minha história de vida. A
minha história de vida encontra o mundo do trabalho. Nessa história de vida se
depara com essa relação doentia”, explicou.
Maria da Graça ilustra o assédio moral, historiando um caso. Diz ela que teve
contato com um jovem do interior do Estado que veio para a Grande Porto Alegre.
Logo, ele encontrou emprego em uma metalúrgica. O primeiro contato do jovem
metalúrgico com o chefe foi animador. Ouviu do superior que ganharia aumento e
promoção em um ano se "trabalhasse direitinho”. Passado este ano, ele voltou ao
chefe e perguntou qual seria a promoção. "O chefe disse que ele era um burro e
que deveria pastar na grama em frente à metalúrgica. Ele não conseguiu
responder nada. Deu um nó na garganta e adoeceu”, contou Maria da Graça.
Adoeceu.
Segundo ela, a primeira vez que se fez relação saúde e sofrimento mental foi em
1954, com a categoria dos telefonistas. "A origem do problema é a organização
do trabalho. Os bancários tiveram a coragem de enfrentar o problema com a luta
do Sindicato. Este documentário é de denúncia e nos diz que temos de avançar. O
trabalho que o SindBancários fez tem que ser levado adiante. Este filme vai
ajudar muito a dar visibilidade a essa luta”, acrescenta.
Doentes que precisam saber que estão doentes
O presidente do SindBancários, Everton Gimenis, alertou o público do debate
para um problema que perpassa a categoria bancária. Os bancários ainda não
reconhecem totalmente, apesar da visibilidade que a luta do Sindicato tem na
categoria, o assédio moral e o sofrimento psíquico como doenças decorrente da
forma como o trabalho se organiza. Gimenis contou a história de um bancário que
teve que ficar afastado por problemas de saúde do trabalho e, quando voltou à
ativa, enfrentou a desconfiança dos colegas.
"Tivemos um caso de sequestro no início do mês passado de um
colega em uma agência bancária de Porto Alegre. Mesmo depois de todo o
sofrimento do colega que ficou com a família refém por várias horas, o banco
queria manter a agência aberta e demitir a vítima, porque ela entregou o
dinheiro à quadrilha que tinha sua família como refém. Os bancários precisam
saber também que o colega se afastou não porque ele é fraco, mas porque está
doente. Há bancários que estão sofrendo, estão doentes e não sabem. Por isso
este filme é importante para a nossa categoria”, avaliou Gimenis.
*Imprensa/SindBancários
|