Em sétimo lugar no levantamento nacional estão as ações de
responsabilidade civil do empregador ou de indenização por dano moral.
De todos os processos iniciados no Brasil naquele ano, 22,6% eram
referentes ao Direito do Trabalho. No Tribunal Regional do Trabalho da
4ª Região (TRT4), 20,2% das ações trabalhistas de 2015 tinham a ver com
verbas indenizatórias.
Segundo o presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do
Trabalho da IV Região (Amatra IV), Rodrigo Trindade, as verbas
rescisórias são obrigatoriamente pagas quando o trabalhador é demitido
ou pede demissão. "O mais comum são pessoas demitidas que não receberam
nem o mês que trabalharam e são obrigadas a buscar seus direitos”,
relata.
Em relação às ações de responsabilidade civil e indenização por dano
moral, grande parte é referente a acidentes de trabalho. "São pessoas
que se acidentam ou ficam doentes no serviço e precisam buscar na
Justiça a reparação. Dentro dessa categoria, também há o assédio moral e
o sexual”, cita.
Para Trindade, de modo geral, o Brasil é o "país dos delinquentes”.
"As pessoas têm muita dificuldade de cumprir a lei sem uma determinação
judicial. É muito comum o não pagamento de verbas rescisórias, porque há
uma relação desigual entre empregado e empregador, e o empregador sabe
disso”, pontua. Além disso, o fato de o empregado não receber o salário
antes de trabalhar abre brecha para tais irregularidades.
Uma mudança que reduziria o número de ações trabalhistas, conforme o
magistrado, é aumentar os juros e multas cobrados pela Justiça do
Trabalho. "Os valores são muito baixos, o que estimula os empregadores a
não fazer o pagamento de modo espontâneo e esperar vir o processo”,
defende o presidente da Amatra IV.
Como os casos passam por audiências de conciliação, muitas vezes, o
empregador acaba pagando até menos do que devia ao empregado. "Em outros
países não é assim, porque existe a cultura do pagamento espontâneo, e
as empresas que não pagam são punidas de forma mais efetiva,
especialmente quando escondem seu patrimônio”, destaca Trindade. Quando
um empresário está inadimplente com um funcionário ou uma empresa
terceirizada, muitas vezes, coloca seu patrimônio no nome de terceiros, a
fim de não os ver bloqueados até o pagamento.
O magistrado tem convicção de que uma punição mais efetiva dos maus
empresários e o reconhecimento de boas ações cometidas por bons
empresários fariam a diferença. "Hoje em dia, se um empregador possui
uma dívida para pagar seu carro, a financeira aplicará juros gigantescos
para ele. Por outro lado, se ele não paga o Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço (FGTS) e sonega horas extras, é aplicada apenas a correção
monetária, totalmente insuficiente para desestimular o descumprimento”,
cita. Para o presidente da Amatra IV, trata-se de uma política aparente
de estímulo ao empregador para que escolha inadimplir os pagamentos
trabalhistas.
Morosidade do Judiciário é uma das causas de desrespeito a leis
Presidente da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados
do Brasil do Rio Grande do Sul (OAB/RS) e advogado trabalhista há 40
anos, Raimar Machado aponta como os principais problemas encontrados
pelos trabalhadores os que envolvem diferença ou inexistência de
depósitos de FGTS, danos morais, horas extras não pagas, não pagamento
de adicionais de insalubridade e periculosidade e ausência de reajustes
salariais.
"Não há um motivo específico para que essas sejam as ações mais
comuns. Como são débitos comuns a todos os contratos, acabam sendo os
processos mais usuais”, observa Machado. Entre as motivações para o não
pagamento desses direitos, o advogado cita a confiança do empregador na
morosidade da Justiça, que faz com que grande parte dos empregados não
reclame. "Há uma vantagem espúria, pois, como muitos não exigem seus
direitos, apenas quem exigir vai receber, e o empregador sai no lucro.”
Não há levantamentos a respeito, mas Machado estima que, de cada dez
empregados que sofreram lesões trabalhistas, apenas um reclama. "O
número de reclamantes é muito pequeno, até porque o trabalhador que
reclama muitas vezes encontra dificuldades para obter um novo emprego,
sobretudo em cidades menores”, salienta. Em grandes cidades, o problema
maior é a morosidade e, por vezes, a falta de provas. De acordo com o
advogado, um processo pode demorar de dois a 15 anos, com média entre
quatro e cinco anos.
A legislação existente não dá instrumentos para que o empregado se
previna contra o desrespeito a seus direitos – ele pode apenas
reclamá-los na Justiça, quando lesado. "É claro que o Ministério Público
pode entrar com alguma ação civil pública com empresas que normalmente
cometem essas ilegalidades, mas mesmo ações como essa atendem a um
universo muito pequeno de trabalhadores”, avalia Machado.
Reforma trabalhista dificulta ainda mais acesso à Justiça
Sob a ótica de Trindade e Machado, a reforma trabalhista em trâmite
no Senado cria regras que dificultam ainda mais o acesso de empregados à
Justiça. "Coloca-se um prazo menor para a prescrição das ações e a
necessidade de tentativa de conciliação prévia, por exemplo, o que cria
barreiras no acesso. Se a situação já é difícil hoje, seria muito mais.
Por isso se diz que, com a reforma, a tendência é a Justiça do Trabalho
ser extinta, pois a dificulta de tal maneira, que a torna inoperante”,
pontua o advogado trabalhista.
Para o juiz, a perspectiva, com a reforma, é de grande piora no
trabalho de modo geral. "Todas as mudanças previstas são para diminuição
dos direitos. O horizonte que se aproxima é de redução de contratos de
emprego e de salários, e de aumento de horas extras e de
inadimplementos”, garante.
Há medidas mais efetivas para que os empresários tenham menos custos
na contratação de funcionários, segundo Trindade. "A desoneração de
impostos na folha de pagamento, por exemplo. Os que mais contratam
deveriam ser estimulados. Poderíamos, também, acabar com o Sistema S,
que desestimula o empregador a contratar mais”, sugere.
O Sistema S é composto por nove instituições que recebem
contribuições de interesse das categorias profissionais e econômicas.
Essas entidades, na maior parte de direito privado, devem aplicar os
recursos em aperfeiçoamento profissional e melhoria do bem-estar dos
trabalhadores. Compõem o Sistema S as entidades Senar, Senac, Sesc,
Sescoop, Senai, Sesi, Sest, Senat e Sebrae.
Entretanto, o juiz destaca que o empregador deixa de contratar porque
a produtividade está alta. "Até 2014, tínhamos pleno emprego no Brasil.
Se contratavam mais empregados, e os custos eram iguais aos de hoje”,
recorda. A reforma é pensada em função da crise econômica, mas, conforme
Trindade, quanto mais pobre o trabalhador, mais será afetado
negativamente pelas mudanças, pois ingressará em trabalhos terceirizados
e autônomos, e passará por amplo achatamento salarial. Haverá, por
isso, diminuição no recolhimento por parte da União.
Estudo da Central Única de Trabalhadores (CUT) de 2015 afirma que
terceirizados têm salário 25% menor e trabalham 7,5% a mais do que
celetistas. Pesquisa da mesma central, de 2011, revela ainda que, de
cada cinco acidentes de trabalho, inclusive fatais, quatro acontecem com
profissionais terceirizados. *Jornal do Comércio |