A prática, porém, chega a fazer parte do imaginário da
população brasileira, que se acostumou a ver "grandes nomes” da política local
também como os proprietários dos meios de comunicação de massa de seus estados.
Não à toa, os coronéis da mídia substituíram os antigos coronéis, e hoje
dominam o espaço público da comunicação em todo o país.
Há muitos anos, organizações que defendem a democratização
dos meios de comunicação e o respeito à Constituição denunciam esta prática.
Não só porque nossa lei maior já a proíbe, mas porque seus efeitos para a saúde
da nossa democracia são óbvios: favorecimento político, interferência no debate
de ideias, violação do direito de acesso à informação, maculação de eleições
livres, entre tantos outros.
Afinal, a tentação de um político dono de uma emissora
certamente passará por usar o veículo para atacar seus adversários e elogiar
seus aliados (ou sua própria gestão). E aí quem perde somos todos nós.
A população sabe disso. Em pesquisa realizada em 2013 pelo
Instituto Patrícia Galvão e pelo DataPopular, apesar de 35% acharem que a
prática é permitida (como dissemos no início), 63% dos entrevistados se
mostraram contrários à propriedade de meios por políticos. O mesmo estudo
mostrou que 69% consideram que ser dono de TV ou rádio dá mais chances para que
o candidato seja eleito. O estudo também revela que 44% da população não sabe
que, para obter uma emissora de rádio ou televisão, é necessária a autorização
do Estado.
Os números não espantam. Nem o Ministério das Comunicações,
que é o responsável pela fiscalização do setor neste sentido, dá bola para o problema.
Diz que a lei proíbe o controle e a gestão dos canais, mas não a propriedade. E
assim o coronelismo eletrônico continua.
O Ministério Público Federal, entretanto, percebeu que já
passou da hora de algo ser feito. Com a autorização do Procurador-Geral da
República, Rodrigo Janot, procuradores de São Paulo receberam na segunda-feira
23 uma representação, assinada por diversas entidades da sociedade civil, entre
elas o Intervozes, pedindo o cancelamento das concessões, permissões e
autorizações de radiodifusão outorgadas a pessoas jurídicas que possuam
políticos titulares de mandato eletivo como sócios ou associados.
No total, 32 deputados federais e 8 senadores são
denunciados. As entidades também pedem a responsabilização da União, via
Ministério das Comunicações, pela falta de fiscalização do serviço público de
radiodifusão.
Elas lembram, no documento, que o próprio Supremo Tribunal
Federal já se posicionou sobre o tema. Na Ação Penal 530, a ministra Rosa Weber
afirmou, em seu voto, que, "a proibição específica de que parlamentares
detenham o controle sobre empresas de (...) de radiodifusão” visou evitar o
"risco de que o veículo de comunicação, ao invés de servir para o livre debate
e informação, fosse utilizado apenas em benefício do parlamentar, deturpando a
esfera do discurso público”.
Para a ministra do STF, "democracia não consiste apenas na
submissão dos governantes a aprovação em sufrágios periódicos. Sem que haja
liberdade de expressão e de crítica às políticas públicas, direito à informação
e ampla possibilidade de debate de todos os temas relevantes para a formação da
opinião pública, não há verdadeira democracia”. E "para garantir esse espaço
livre para o debate público, não é suficiente coibir a censura, mas é
necessário igualmente evitar distorções provenientes de indevido uso do poder
econômico ou político”.
O Ministério Público Federal de São Paulo concorda com a
tese. Tanto que já ingressou com ação pedindo o cancelamento das licenças sob
controle de três deputados federais do estado: Antônio Bulhões (PRB); Baleia
Rossi (PMDB) e Beto Mansur (PRB). A expectativa das organizações agora é que,
sendo a representação distribuída aos procuradores dos demais estados, uma
série de ações contra os políticos donos da mídia pipoque Brasil afora.
O combate aos coronéis da mídia, entretanto, não se limita a
deputados federais e senadores. Ele deve chegar também a parlamentares e chefes
dos executivos estaduais e municipais, assim como em parentes e laranjas.
Apesar de ser um problema antigo, esta briga, portanto, está apenas começando.
Confira abaixo a relação dos 40 deputados federais e
senadores sócios de empresas prestadoras de serviços de radiodifusão que
aparecem no Sistema de Acompanhamento de Controle Societário – Siacco, da
Anatel:
Deputados Federais
1. Adalberto Cavalcanti Rodrigues, PTB-PE
2. Afonso Antunes da Motta, PDT-RS
3. Aníbal Ferreira Gomes, PMDB-CE
4. Antônio Carlos Martins de Bulhões, PRB-SP
5. Átila Freitas Lira, PSB-PI
6. Bonifácio José Tamm de Andrada, PSDB-MG
7. Carlos Victor Guterres Mendes, PMB-MA
8. César Hanna Halum, PRB-TO
9. Damião Feliciano da Silva, PDT-PB
10. Dâmina de Carvalho Pereira, PMN-MG
11. Domingos Gomes de Aguiar Neto, PMB-CE
12. Elcione Therezinha Zahluth Barbalho, PMDB-PA
13. Fábio Salustino Mesquita de Faria, PSD-RN
14. Felipe Catalão Maia, DEM-RN
15. Felix de Almeida Mendonça Júnior, PDT-BA
16. Jaime Martins Filho, PSD-MG
17. João Henrique Holanda Caldas, PSB-AL
18. João Rodrigues, PSD-SC
19. Jorginho dos Santos Mello, PR-SC
20. José Alves Rocha, PR-BA
21. José Nunes Soares, PSD-BA
22. José Sarney Filho, PV-MA
23. Júlio César de Carvalho Lima, PSD-PI
24. Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi, PMDB-SP
25. Luiz Gionilson Pinheiro Borges, PMDB – AP
26. Luiz Gonzaga Patriota, PSB-PE
27. Magda Mofatto Hon, PR-GO
28. Paulo Roberto Gomes Mansur, PRB-SP
29. Ricardo José Magalhães Barros, PP-PR
30. Rodrigo Batista de Castro, PSDB-MG
31. Rubens Bueno, PPS-PR
32. Soraya Alencar dos Santos, PMDB-RJ
Senadores
33. Acir Marcos Gurgacz, PDT-RO
34. Aécio Neves da Cunha, PSDB-MG
35. Edison Lobão, PMDB-MA
36. Fernando Affonso Collor de Mello, PTB-AL
37. Jader Fontenelle Barbalho, PMDB-PA
38. José Agripino Maia, DEM-RN
39. Roberto Coelho Rocha, PSB-MA
40. Tasso Ribeiro Jereissati, PSDB-CE
* Carta Capital
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