Além de salários mais baixos e jornada maior de trabalho, o
procurador prevê aumento no número de acidentes nas empresas, o fim dos planos
de carreira e a disparada da corrupção empresarial, tão em voga em tempos de Operação Lava Jato.A solução, diz Machado, será uma
Ação Direta de Inconstitucionalidade, que sua equipe já estuda protocolar no
Supremo Tribunal Federal (STF) se o projeto também for aprovado no Senado.
Leia a entrevista completa:
CartaCapital:Qual é a opinião do senhor sobre o
Projeto de Lei 4330/04, que libera as terceirizações em toda a cadeia
produtiva?
João Batista Machado Junior:Quando a gente investiga práticas de
terceirização, notamos o elevado número de acidentes e a quantidade de
trabalhadores que precisam de resgate por estarem em condições de quase
escravidão. Trabalhadores com jornada maior do que a média e salários bem
menores. Se a situação é assim para 12 milhões de pessoas, ou um terço do total
de brasileiros com carteira assinada, imagina como vai ficar quando todos os
funcionários de uma empresa forem terceirizados...
CC:Por que há tantos acidentes envolvendo
trabalhadores terceirizados?
JBMJ:As empresas prestadoras de serviços costumam qualificar mal seus
trabalhadores e raramente tornam o ambiente de trabalho seguro, já que isso
tudo custa dinheiro. Quando a gente investiga essas empresas, percebe que não
há a menor preocupação com essas coisas. Temo que esses acidentes aumentem com
a nova lei.
CC:E como fica o plano de carreira para esses
funcionários?
JBMJ:Hoje, o trabalhador está inserido na empresa, faz parte de seu
contexto. Com a lei, a relação de trabalho não será mais bilateral. A
contratante vai solicitar um profissional, mas não quer que ele evolua, cresça.
A consequência será a falta de perspectiva. É um absurdo imaginar que um hotel
não terá um único trabalhador vinculado a seu dono. Escolas em que o porteiro e
o professor serão terceirizados.
CC:A corrupção empresarial vem sendo muito falada em
tempos de Operação Lava Jato. As terceirizações podem coibir essa prática?
JBMJ:O risco é aumentar a corrupção. Temos vários exemplos de empresas
prestadoras envolvidas nessas práticas. Uma, muito comum, é que os
trabalhadores terceirizados não sejam efetivamente quem executa o serviço.
CC:O Mistério Público do Trabalho fez um estudo sobre
a terceirização das atividades-fim. Qual foi a conclusão?
JBMJ:A nossa conclusão é que a distinção atualmente feita pela Sumula
331, do Tribunal Superior do Trabalho, permite a terceirização sem comprometer
a qualidade do serviço. Não há necessidade de mudar a lei.
CC:Por que é tão comum a ocorrência de trabalho
escravo em empresas terceirizadas?
JBMJ:Basta verificar a lógica da terceirização no Brasil: redução de
custos. Como? Pagando menos e até sonegando direitos trabalhistas. Geralmente
resgatamos mais "escravos" nessas empresas de construção civil. Temos
um caso de brasileiros contratados para limpar linhas de transmissão de
energia. Pequenas empresas são contratadas para fazer esse serviço. Além do
perigo, esses trabalhadores eram contratados sem carteira assinada e com longas
jornadas de trabalho. Para garantir pelo menos o recebimento dos impostos, o
governo federal assegurou no projeto que os tributos federais fossem retidos
pelas contratantes. Isso significa que o governo não confia na idoneidade das
terceirizadas.
CC:Fala-se em quarteirização, quinteirização. Há mesmo
essa possibilidade? O que seria isso?
JBMJ:A terceirização é quando a empresa contrata outra para que ela
realize seu serviço. A quarteirização é quando a terceirizada contrata outra
para realizar o trabalho para o qual foi contratada. É uma terceirização em
série. Os salários vão caindo e caindo. Não há limite.
CC:E os processos trabalhistas na Justiça?
JBMJ:Como vai ser difícil para o trabalhador conseguir responsabilizar o
empregador, o número de ações deve aumentar.
CC:O Ministério Público do Trabalho foi consultado
pela Câmara antes do resgate do 4330/04?
JBMJ:Esse projeto existe desde 2004. Nesse período, o MPT fez uma
comissão especial, participou de audiências públicas, seminários, publicou
material, livro. Esse trabalho de conscientização é feito há tempos, mas o
cenário político atual criou o clima para essa vontade deliberada de aprovar.
CC:Como a crise política moldou esse cenário?
JBMJ:Os trabalhadores se viram em meio a uma guerra política. A posição
política do presidente da Câmara [Eduardo Cunha, que desengavetou o 4330] é
majoritária hoje no Congresso e por isso o projeto está andando.
CC:O Ministério Público do Trabalho pretende tomar
alguma atitude se o texto também passar no Senado?
JBMJ:A gente espera que o Senado repense o projeto, o modifique ou
rejeite. Mas se os senadores aprovarem, só nos restará protocolar no Supremo
Tribunal Federal [STF] uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. Nós temos um
grupo de trabalho estudando essa via.
CC:O que diz a Constituição a esse respeito?
JBMJ:Os empresários dizem que a nova lei vai dar guarida à livre
iniciativa. Acontece que a Constituição também cuida da função social da
propriedade. O PL vai dificultar, por exemplo, o direito social de greve porque
os trabalhadores não estarão mais agregados. Sem a possibilidade de união, como
eles poderão defender seus direitos?
CC:Mas a proteção social já não é precária às camadas
mais vulneráveis da sociedade, justamente quem hoje é terceirizada?
JBMJ:Esse grupo já prejudicado só vai aumentar. Hoje a terceirização é
praticada principalmente com funcionários sem qualificação. Mesmo o poder
público tem grande responsabilidade porque há casos de muitas prestadoras de
serviço que recebem o pagamento da estatal, mas encerram o contrato com o
trabalhador. O funcionário não recebe nem da contratada nem do Estado, que se
livra de punição. Só vejo a precarização se agravar.
CC:Os empresários negam essa precarização.
JBMJ:O que vai acontecer é que haverá a dispensa de funcionários e seu
forçoso regresso ao trabalho pela via da terceirização, ganhando menos. Não dá
para reduzir custo sem tirar de algum lugar. Vão tirar de onde? Dos direitos
trabalhistas. E ainda assim, como o trabalhador vai ganhar mais? Será um efeito
em cadeia: como os tributos federais incidem sobre a folha salarial, o governo
federal arrecadará menos também. *Carta Capital
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