Em entrevista ao Sul21, Augustin fala sobre a crise
financeira do Estado, critica as políticas de benefícios fiscais para algumas
empresas que diminuiriam a arrecadação do Estado, e defende que o governador
cumpra a promessa que fez nos primeiros dias de governo no sentido de garantir
os serviços essenciais à população. "As atividades de várias secretarias estão
paralisadas. Muitas coisas não estão sendo feitas por ausência de funcionários
com poder de deliberação e decisão. O aparelho de Estado do Rio Grande do Sul
está paralisado. Está na hora do governador começar a governar. Ele foi eleito
para isso”, diz o presidente do Sindsepe.
Sul21: O novo governo que assumiu, a partir de um
diagnóstico sobre a crise financeira do Estado, determinou a suspensão de pagamentos,
o congelamento de nomeações e concursos e o corte de horas extras, entre outras
medidas. Agora, anuncia um pacote com cortes em várias áreas da administração.
Qual sua avaliação sobre essas primeiras medidas do governo Sartori?
Claudio Augustin:A primeira questão que deve ser
respondida é o que provoca a crise financeira do Estado. O Rio Grande do Sul
deixa de arrecadar em torno de R$ 15 bilhões/ano em benefícios fiscais, além de
destinar uma elevada parcela de sua receita para o pagamento de juros, juros
elevadíssimos, cabe destacar. O Brasil é o país que tem hoje uma das maiores
taxas de juros do mundo e o Rio Grande do Sul paga uma taxa de juro mais alta
que a taxa do mercado em nível nacional.
Então nós temos uma receita sucateada por benefícios fiscais
decorrentes da Lei Kandir e oferecidos pelo próprio governo do Estado. Na
medida em que tenho uma receita sucateada e destino parte significativa dessa
receita para o pagamento de juros da dívida, sobram poucos recursos para o
pagamento dos gastos recorrentes e investimentos do Estado. Nenhum governo
resolveu essa questão. Pelo contrário, cada novo governo vem aumentando os
benefícios fiscais. Essa é uma questão de fundo que precisa ser resolvida, caso
contrário a crise financeira do Estado não tem solução.
Sul21: Na sua opinião, é possível algum governo estadual
enfrentar esses temas isoladamente?
Claudio Augustin:Posso até entender que isoladamente
não seja possível, mas cabe ao Estado dizer que é preciso acabar com a guerra
fiscal e não entrar nela. O último governo aumentou os benefícios fiscais,
embora o discurso histórico do PT seja contra a guerra fiscal. Por outro lado
temos a Lei Kandir. A Constituição Federal diz que produtos manufaturados não
pagam imposto na exportação, o que é correto. Já a Lei Kandir diz que produtos
semi-elaborados se enquadram nesta mesma categoria. A soja gaúcha, por exemplo,
após o processo de secagem e limpeza, é considerada um produto semi-elaborado e
não paga imposto na exportação. Assim, em vez de produzirmos emprego no Rio
Grande do Sul na produção do farelo e do óleo e exportar esses produtos, nós
exportamos a soja em grãos e, com isso, estamos exportando empregos.
A mesma coisa ocorre com o minério de ferro, para pegar dois
exemplos que são importantes na pauta de exportações brasileira. Isso é bom
para o Brasil? Essa é uma discussão política por excelência e cabe aos governos
estaduais, sim, entrar nesse debate político. Então, temos um problema de crise
que não decorre apenas de questões estaduais, envolvendo temas nacionais. Mas o
governo do Estado tem a sua parcela de responsabilidade ao aumentar os
benefícios fiscais aqui. Tomemos como correta, para efeito de raciocínio, a
opção pelos benefícios fiscais. Por que beneficiar uma empresa e não um setor
produtivo? O Fundopem beneficia determinadas empresas, inclusive interferindo
na disputa intra-capitalista. A empresa que tem benefício tem vantagens em
relação a outras empresas do mesmo setor. Por que o Estado deve beneficiar uma
empresa em detrimento de outras? Nada justifica esse modelo de benefícios
fiscais.
Sul21: Os cortes anunciados até aqui podem ajudar a reverter
essa situação?
Claudio Augustin:A origem da crise não é o gasto com
pessoal ou com benefícios sociais, mas sim o pagamento de juros da dívida e a
receita que o Estado deixa de arrecadar para beneficiar o capital. Essa é a
questão de fundo que deve ser enfrentada. Agora vamos à segunda parte da
pergunta. O governo Sartori se elegeu sem dizer o que pretendia fazer no
Estado. Pois bem. Vamos tomar algumas ações concretas que tomou neste início de
governo.
Houve aumento salarial no primeiro escalão dos poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário, inclusive no salário do governador. Ele
sancionou a lei e depois disse que não iria receber o próprio aumento. Isso é
complicado. Ele sancionou a lei e está recebendo o aumento. Vai doar o aumento
para alguém? Isso é mera demagogia.
Depois ele fez um decreto dizendo que, para garantir as
funções essenciais do Estado, uma série de medidas seriam necessárias, como
corte de diárias, suspensão de nomeações, de concursos, proibição de viagens
para fora do Estado, a não ser para secretários. Vamos considerar as
consequências dessas medidas. Quanto às diárias, as pessoas viajam para
trabalhar, para cumprir obrigações do Estado. Proibir viagens para fora do
Estado de servidores que não sejam secretários significa dizer que o Rio Grande
do Sul não tem relação com outros estados brasileiros e muito menos com a
nação. Agora os servidores públicos que precisam viajar a Brasília para
resolver questões do Estado não podem ir porque não secretários. Ou seja, essa
medida reduz as relações de Estado aos secretários. É um absurdo.
Essas medidas só têm um objetivo: criar o caos e o pânico
junto à opinião pública. Quais as medidas objetivas tomadas até agora pelo
governador Sartori para enfrentar esse "caos”: aumentar o próprio salário e
depois dizer que não vai receber o aumento, nomear a própria esposa como
secretária de Estado. Essas são as medidas moralizantes? Por outro lado, se
pegarmos as secretarias de Estado, só nos últimos dias começaram a ser nomeados
os integrantes do segundo e do terceiro escalão que é, na vida real, quem toca
a máquina pública. Ou seja, as atividades de várias secretarias estão
paralisadas. Muitas coisas não estão sendo feitas por ausência de funcionários
com poder de deliberação e decisão. Então, esse caos foi construído, em boa
parte, pelo próprio governador ao não dizer quais são as suas prioridades de
governo e ao paralisar funções vitais para o funcionamento do Estado.
O aparelho de Estado do Rio Grande do Sul está paralisado.
Chegou ao ponto de o governador ter nomeado, no final de janeiro, várias
pessoas de forma interina para ter gente que assinasse o dia-a-dia do Estado,
como ocorreu no Detran para ter alguém que assinasse a liberação das carteiras
de motorista e garantisse o pagamento do IPVA. Isso mostra o quanto o povo
gaúcho está desassistido diante das primeiras decisões do novo governo. Isso
cria também um clima de muita insegurança para os servidores, insegurança esta
que só aumenta com as várias matérias publicadas na imprensa dizendo que tal ou
tal órgão pode ser fechado. E ninguém sabe o que é real e o que não é. Há quem
diga que essa não é uma política de governo, mas sim da Agenda 2020, que
envolve interesses empresariais. Tampouco há algum desmentido do governador
sobre isso, o que alimenta uma insegurança institucional que não contribui para
nada.
Essa insegurança só aumenta a crise. Além da crise econômica
nacional, vamos entrar numa crise de representação política e de inserção
política do Estado do Rio Grande do Sul no país. Quando pegamos o decreto do
governo Sartori, ele diz que vai garantir as funções essenciais do Estado.
Quais são mesmo as funções essenciais do Estado? O governador disse, e isso não
está no decreto, que são saúde, segurança e educação. Eu sou vice-presidente do
Conselho Estadual de Saúde. Nós estamos pedindo recursos para a Saúde e não há
tais recursos. Os hospitais estão ameaçando não atender mais por falta de
pagamento. E as contratações que deveriam estar sendo feitos na área não estão
ocorrendo.
Sul: O caráter de excepcionalidade anunciado para as áreas
da saúde, educação e segurança não está ocorrendo então?
Claudio Augustin:Não está ocorrendo. O governador,
repito, prometeu manter as atividades essenciais do Estado. Mas estão saindo as
nomeações para a área da segurança? Estão saindo as nomeações para os
professores que devem começar a dar aulas agora em março? Nada disso está
acontecendo. Qual é a lógica disso? Você cria toda uma discussão, um caos
público em nome de algo que não se sabe o que é. E o que o governo diz que é,
que vai acontecer (a excepcionalidade para as áreas essenciais, por exemplo),
não é e não acontece. Está na hora do governador começar a governar. Ele foi
eleito para isso.
Sul: Você citou o caso da Saúde. Há o risco, de fato, de
hospitais paralisarem seu atendimento pelo SUS, conforme advertências que vêm
sendo feitas nos últimos dias por dirigentes dessas instituições?
Claudio Augustin:Na atual situação da saúde no Rio
Grande do Sul nós temos cerca de dois terços da atenção básica precarizada e
terceirizada. Isso faz com que haja uma má atenção básica. As pessoas adoecem e
não tem um atendimento adequado. Ao não ter um atendimento adequado, passa a
precisar de um atendimento de alta complexidade, que exige hospitalização e
exames especiais, o que faz com que o custo desse atendimento seja elevado.
Não é a toa que a população elegeu a saúde como o principal
problema do Estado e do Brasil. Hoje, em muitas áreas, você não consegue
atendimento em Porto Alegre, mesmo pagando. Os hospitais reclamam que não está
havendo repasse de recursos e ameaçam parar. Se isso acontecer, agrava-se a
situação da saúde. Volta a pergunta: essa não é uma atividade essencial do
Estado? O que está sendo feito com o dinheiro que o Estado arrecada? Os
recursos estão sendo cortados para que e para quem? Repito: espero que o
governador comece a governar para que os gaúchos que votaram nele sintam que há
um governo que garante os direitos fundamentais da população. Até aqui, as
obrigações básicas do Estado não estão sendo cumpridas por esse governo.
Sul21: Como as entidades dos servidores públicos estão
acompanhando esses dois primeiros meses de governo. Já tomaram alguma decisão
em relação às decisões que vêm sendo anunciadas?
Claudio Augustin:Sempre que um governo começa existe
um voto de confiança da população. O governo Sartori indicou que iria tomar uma
série de medidas, mas o que se viu foi uma série de especulações. Chegou a ser
anunciado que essas medidas seriam anunciadas logo após o Carnaval. Passou o
Carnaval e até agora elas não apareceram. Talvez isso tenha ocorrido pela forte
reação que os servidores públicos do Paraná tiveram contra as medidas do governo
Richa. O Sindsepe tem uma reunião do seu conselho deliberativo no próximo dia
27 e, como está ocorrendo com várias categorias, está preparando sua assembleia
geral. Neste meio tempo, estamos avaliando para que lado vai o governo. Nós
temos uma pauta histórica que será apresentada ao governador. Essa pauta
consiste em plano de carreira, qualificar e profissionalizar os servidores
públicos, ter negociação coletiva, saúde do trabalhador, uma previdência
adequada, garantir que as pessoas recebam no mínimo o piso regional como
básico. Hoje nós temos milhares de servidores públicos que ganham menos que o
salário mínimo no seu básico, o que é um absurdo.
A esmagadora maioria dos servidores públicos ganha mal e
trabalha muito, ao contrário do discurso que diz que eles trabalham pouco e
ganham muito. É uma disputa política que nós vamos continuar fazendo. Pelo que
sei, boa parte das entidades de servidores está marcando assembleias gerais
para os meses de março e abril. Os governos tem um tempo inicial para tomar pé da
máquina pública. Mas esse governo está atrasando esse processo. Nós estamos
aguardando um pouco, mas não vamos aguardar muito. Logo, logo, a luta estará na
rua. *Sul21
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