Em entrevista à edição de outubro daRevista do Brasil,
que circula nesta semana, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lembrou que
os governos do PSDB queriam privatizar os bancos. No entanto, destacou que
essas instituições foram essenciais no enfrentamento da crise de 2008. "Quando
estourou a crise em 2008, numa conversa que tive por telefone com o presidente
Obama, comecei a mostrar que seria importante que nos Estados Unidos tivesse um
sistema financeiro mais ou menos igual ao nosso, que temos bancos públicos
fortes, e temos bancos privados fortes. O Banco do Brasil, a Caixa, o BNDES não
deixaram este país entrar na bancarrota. Eles querem acabar com eles. Na nossa
visão de Estado, os bancos públicos têm um papel extraordinário de equilíbrio
no mercado financeiro”, enfatiza Lula.
Lula se refere a uma declaração recente do "candidato a ministro da Fazenda”,
Armínio Fraga, de que "essa área precisa de uma correção de rumo” e que "vai
chegar (num eventual governo Aécio) num ponto em que talvez eles (os bancos
públicos) não tenham tantas funções. Não sei muito bem o que vai sobrar no
final da linha, talvez não muito”, conclui.
As diferenças de desempenho dos bancos mencionados entre os
anos de governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e os de Lula e Dilma
ilustram essas visões distintas. No último ano de FHC, o volume de crédito
movimentado por BB e Caixa chegava a R$ 130 bilhões, com queda de 69% nas
operações da Caixa e de 6% nas do BB em relação ao seu primeiro ano de governo.
No balanços de 2013, somente os dois maiores bancos públicos somaram pouco mais
de R$ 1 trilhão em crédito, tendo o BB aumentado em 499% o seu volume e a
Caixa, em 1.157%, em relação ao final do governo FHC. Isso sem comprometer o
retorno de dividendos ao seu principal controlador, o Estado: os lucros somados
do BB e da Caixa saltaram de R$ 6,7 bilhões em 2002 para R$ 22,5 bilhões em
2013. Todos esses valores são atualizados pelo IPCA do período.
Do sistema
Para o economista André Biancarelli, professor do Instituto
de Economia da Unicamp, essa sinalização de Armínio Fraga é preocupante: "Delegar
as tarefas do financiamento do desenvolvimento às forças de mercado nunca deu
certo no Brasil, nem em lugar nenhum do mundo, desenvolvido ou em
desenvolvimento”, alertou, em entrevista a Marilu Cabañas naRádio Brasil
Atual.
O professor afirma que "tanto do ponto de vista do
crescimento quanto das transformações que aconteceram na economia brasileira,
que são ainda insuficientes, é impossível separar isso da atuação do BNDES, da
Caixa Federal, do BB e todos os fundos constitucionais de direcionamento de
crédito”.
Biancarelli destaca que sem a exigibilidade de que um
percentual dos depósitos em caderneta de poupança, em bancos públicos ou
privados, seja destinado ao financiamento da habitação, tendo a Caixa como
principal organizadora desse sistema, seria muito difícil pensar em um programa
do tamanho do Minha Casa, Minha Vida. Ele assinala, ainda, a importância da
atuação dos bancos públicos para o financiamento da agricultura familiar, ao
assumir riscos que fogem da lógica do capital privado, situação semelhante no
financiamento a longo prazo para grandes obras de infraestrutura.
"É impossível pensar em um programa de infraestrutura, do
tamanho que o Brasil precisa, sem a atuação do BNDES. Em todos os exemplos, o
caráter público, o caráter não guiado pela lógica de ganho de curto prazo, que
é a característica do setor privado, é fundamental”, ressalta.
O professor lembra que os bancos públicos foram importantes
na estratégia de redução de juros: "Os bancos privados resistiram e o Banco do
Brasil e a Caixa Econômica Federal foram utilizados como instrumentos de
concorrência de política financeira, e obrigaram os banqueiros a reduzir os
juros, à margem de lucratividade.”
André Biancarelli considera Armínio Fraga portador de
"qualidades como economista, mas um representante do sistema financeiro
privado, não esconde de ninguém. São esses os interesses que ele representa”. *RBA
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