Nessa dinâmica recessiva, o país seguirá fechando estabelecimentos;
fomentando a desnacionalização da economia, com a venda de empresas
públicas e privadas, de reservas naturais e de outros ativos; promovendo
o desmonte do Estado, das políticas públicas e subtraindo direitos
sociais; fragilizando os espaços de diálogo social e de democracia
participativa; subordinando cada vez mais o desenvolvimento produtivo ao
interesse da riqueza financeira; destruindo instituições públicas que
promovem e sustentam o desenvolvimento econômico e social. Desemprego,
arrocho salarial, informalidade, pobreza, violência e desigualdade são
fenômenos que crescem e se espalham no território.
Para os setores que construíram e viabilizaram o atalho ao poder
central, o impeachment era um mal necessário, que geraria otimismo,
reverteria as expectativas e mobilizaria a vontade do capital,
especialmente internacional, para investimento e ampliação da capacidade
produtiva da economia. O crescimento também faria com que fossem
esquecidas as violências às instituições de nossa combalida democracia.
Entretanto, a vida insiste em se revelar muito mais complexa, porque
(a) homens e mulheres, com as instituições e organizações de que dispõem
em cada contexto, resistem e insistem em outros caminhos; (b) os
poderosos interesses de investidores, empresas e estados pelas riquezas
aqui existentes atuam em múltiplos espaços e jogam com diferentes
iniciativas e recursos; (c) a capacidade de a sociedade civil construir
unidade a partir do bem comum e do interesse geral é frágil, lenta e
permeada por múltiplos interesses contraditórios.
A crise política e institucional se agrava a cada novo fato e, com
seus desdobramentos, tem revelado a profundidade e extensão da
corrupção. Há, portanto, inúmeras práticas a serem eliminadas no mundo
das empresas e na governança do Estado, e muitas pessoas a serem
punidas.
Contudo, as formas de enfrentar esse problema, que resultam do avanço
institucional dos últimos 10 anos, têm sido utilizadas para imobilizar e
destruir a capacidade produtiva de setores estratégicos da economia
nacional. Esses setores e empresas reúnem competência técnica –
conhecimento, pesquisa, engenharia, inovação, tecnologia etc. –
construída há décadas e com vultosos investimentos, processo de longo,
contínuo e árduo trabalho. Se o combate à corrupção deve gerar, de um
lado, nova governança e relacionamentos entre os setores público e
privado, precisa também, de outro, permitir e impulsionar as
organizações para produzir, com outros tipos de controle. Destruir os
milhares de empregos, paralisar as obras em curso, aniquilar projetos,
desmobilizar competências e capacidades é abrir mão de valiosíssimos e
essenciais instrumentos nacionais de desenvolvimento.
A crise institucional, no entanto, não é o único problema do momento.
A política econômica desmobiliza e destrói a capacidade do Estado para
induzir e promover o investimento público e privado (recursos e
instituições), retirando do governo o poder de conduzir o país para a
saída da crise e oferecendo-a como oportunidade para o mercado promover
um novo arranjo para a valorização do capital financeiro. Há coerência
nessa estratégia, pois o objetivo é impedir, no futuro próximo ou
longínquo, qualquer iniciativa de construção de um projeto de
desenvolvimento nacional, orientado por uma inserção internacional
soberana.
Desemprego e arrocho salarial, crédito extorsivo e endividamento das
famílias retiram o protagonismo econômico do mercado interno de consumo.
Lucros em queda, juros proibitivos, demanda congelada paralisam as
atividades produtivas. Um mundo que pretende vender mais do que comprar
fragiliza as exportações de manufaturados, já afetadas pela
desindustrialização e prejudicadas pelo câmbio intencionalmente
valorizado. Não há tração interna para a economia crescer. A crise
política, que se agrava com mais denúncias de corrupção, aprofunda ainda
mais o poço. A experiência internacional mostra que não se elimina
definitivamente a corrupção e que esta, infelizmente, é um problema que
atinge a todos os países. O que cada sociedade faz é construir
instituições e práticas para combater este problema, além de punir os
responsáveis, de maneira permanente e incondicional. É uma tarefa
muitíssimo complexa, que requer grande legitimidade social e política,
imenso esforço institucional e vontade coletiva para enfrentar as
mazelas do presente, com um olhar determinado para o futuro. A
indignação não deve dar lugar ao ódio na construção desse futuro, pois
esse caminho inevitavelmente conduz ao desastre.
A transição para outro caminho é, na verdade, uma construção política
bastante delicada, a ser levada com extremo cuidado para que a
sociedade não venha, novamente, a se tornar a grande vítima. A natureza
dessa crise institucional amplia os desentendimentos e dificulta a
construção de um outro futuro, em que haja crescimento, inclusão e
relações transparentes entre os setores privado e público.
A saída é encontrar, nos marcos constitucionais e por meio da
democracia – efetiva - a legitimidade para uma transição na qual o
combate à corrupção seja usado como alavanca para novo patamar de
desenvolvimento.
Essa saída é essencialmente política, ou seja, requer a pactuação de
novas relações sociais, regras, instituições, práticas de governança e
de gestão do uso do recurso público. E mais: será necessário afirmar o
sentido e o conteúdo de um projeto de desenvolvimento nacional que
indique a dinâmica produtiva da economia brasileira e a centralidade do
Estado como promotor e coordenador de novas práticas que incentivem o
crescimento econômico e ajudem no equilíbrio da relação capital e
trabalho.
Na democracia, somente a legitimidade da escolha das urnas, precedida
de amplo e profundo debate, pode abrir caminhos para a transição rumo a
trajetórias que enfrentem e superem a crise política e permitam retomar
o crescimento econômico e o desenvolvimento social. Precisamos parar de
afundar e jogar a escada que permitirá a saída do poço, a retomada. *Dieese |