No mesmo dia em que enchem as telas e páginas com informações
privilegiadamente vazadas de forma criminosa pelo Ministério Público e pelo
Judiciário a respeito da delação premiada de Marcelo Odebrecht, os
oligopólios dos jornais e televisão se esquecem de noticiar um escândalo de R$ 25 bilhões na esfera do Ministério da
Fazenda. No mesmo dia em que, mais uma vez, entulham os leitores com as
ameaças lançadas por Meirelles e Temer a respeito de uma suposta catástrofe
nacional caso a Reforma Previdência não venha a ser aprovada, as empresas de
Marinho, Civita, Frias, Mesquita i altri não mencionam uma peculiar decisão do
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).
Você aí ficou brav@ por ter a tua Declaração de Imposto de Renda mais uma vez
retida na malha fina pela Receita Federal? O que foi que aconteceu agora? A
empresa onde você trabalha não enviou adequadamente o valor total de salários
que te pagou no ano passado? Faltou um dígito do CPF no recibo do dentista de
teus filhos? Aqueles gastos com dependentes não foram incluídos no formulário
adequado? Esquece! O governo deve estar muito ocupado para recuperar as
centenas de bilhões de reais da dívida previdenciária causada por um punhado de
grandes grupos empresariais. Ou ainda montando um sem número de forças tarefa
para irem atrás dos mais de R$ 500 bilhões que são sonegados sistematicamente a
cada novo ano fiscal. Não dá mesmo para ficar perdendo tempo e atender esses pequenos
contribuintes que não têm como discutir com a m& aacute;quina da
arrecadação.
Grande sonegação e impunidade.
Mas em nosso caso concreto, trata-se de um escândalo de R$ 25 bilhões. Um
escãndalo que deveria ser até mesmo motivo para derrubar qualquer governo ou
ministro em um País em que a impunidade aos donos do poder não fosse tão
escancarada como por aqui. Estamos diante de um valor enorme, que muito
contribuiria para aliviar um pouco a crise fiscal que o governo alardeia com
traços de apocalipse. Uma decisão de um órgão vinculado ao Ministério da
Fazenda e que atinge diretamente figuras do primeiro escalão do governo Temer.
Em termos gerais, o CARF trata de recursos impetrados por empresas contra
decisões do governo em matéria de tributação. Em tese, trata-se de uma
instituição importante, pois permitiria espaço para que contribuintes
(indivíduos e empresas) pudessem questionar a legalidade dos impostos e
similares deles exigidos pelo Estado. Na verdade, os primeiros conselhos do
imposto de renda foram criados ainda na década de 20 do século passado. Houve
uma longa evolução desse tipo de órgão na administração federal e o atual
desenho remonta a uma Medida Provisória de 2008 e que foi convertida na
Lei 11.941 de 2009.
Ocorre que o funcionamento do colegiado sempre foi uma verdadeira caixa
preta. Apenas os grandes grupos econômicos logram acesso aos seus
corredores e instâncias deliberativas. Os conselheiros e os processos se
dividem em seções, turmas e câmaras. Ao que tudo indica, sua importância
estratégica é quase tão grande quanto a falta de luz e oxigênio em seu
cotidiano. Há um sem número de denúncias envolvendo a compra de decisões e
pareceres de processos tribu tários. Em um dos casos mais recentes, a Operação "Quatro Mãos” da Polícia Federal prendeu um
conselheiro do CARF, supostamente por cobrar propina para que oferecesse
parecer favorável na condição de relator de um processo naquele conselho.
Itaú & CARF: promiscuidade total
Com o afastamento do encarregado pelo parecer, houve uma substituição na
tramitação do dossiê. Trata-se de um processo movido por prática de sonegação
tributária de R$ 25 bilhões que teria sido patrocinada pelo Banco Itaú. Quando
de sua fusão com o Unibanco ocorrida em 2008, os especialistas em "planejamento
tributário” ofereceram à direção do grupo a janela do crime contra a tributação
e deixaram de recolher tributos devidos de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica
(IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
O novo relator do caso Itaú veio a ser o conselheiro Luis Fabiano Alves
Penteado. Pasmem, mas ele atua no colegiado como representante indicado pela
Confederação Nacional das Instituições Financeiras. Profissional com larga
folha de serviços prestados a diversas instituições do sistema financeiro
privado, não chega a espantar a natureza de sua posição. Ele defendeu a
ilegalidade da cobrança dos tributos, &oacut e;bvio. E na reunião do dia 10
de abril último, quando finalmente o relatório foi a voto na sua turma de
atuação, sua opinião foi vencedora e a sonegação tributária do banco foi
travestida de ares de legalidade. A matéria será objeto de recurso e a
Procuradoria Geral da Fazenda Nacional vai acionar a instância superior para
questionar a decisão.
Ora, é amplamente sabido que o Presidente do Banco Central foi nomeado por
Temer para o cargo exatamente por ser diretor do Banco Itaú. O governo se
vangloriava por ter um legítimo representante da banca privada no comando da
economia. O conflito de interesses é mais do que explícito. Um dos tributos
bilionários sonegados pela negociata da fusão com o Unibanco vem a ser
justamente um dos pilares da receita da seguridade social - orçamento que
inclui a previdência social, a saúde e a assistência social. A sonegação
bilionária de recursos para a CSLL compromete a receita do sistema que comporta
também o Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Mas a visão do Ministro da
Fazenda Henrique Meirelles talvez seja distinta. Muito provavelmente por ter
ocupado durante décadas seu tempo a defender os interesses dos bancos privados,
ele também deve estar de acordo com o voto do Relator.
Diante de tamanho escândalo econômico, político, fiscal e financeiro, o governo
Temer faz cara de paisagem, desconversa e escapa pela tangente. E segue em sua
labuta incansável pelo desmonte do Estado brasileiro. Insiste na tecla que os
principais responsáveis pelo "rombo” da previdência são os privilegiados que
recebem a fortuna de um salário mínimo todos os meses. Já esses R$ 25 bilhões
surrupiados pelo Itaú aos cofres públicos, bem, isso deve ser matéria por
demasiado complexa e que só pode ser bem compreendida e debatida pelos
especialistas técnicos em tributação. Por fim, os meios de sonegação vêm
oferecer sua singela colaboração ao assunto e cumprem seu papel - ora por
esquecimento, ora por introduzir ainda mais confusão na cabeça das pessoas
comuns.
*Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e
Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo
federal.
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