"Todas as operações de crédito na nossa gestão passaram por todas as
instâncias técnicas do banco e todas elas tinham as garantias necessárias para
serem contratadas. O que aconteceu na nossa economia, a partir do segundo
semestre de 2014 pra cá, foi algo que nenhum analista econômico ou financeiro
poderia prever. O banco passa por uma dificuldade, mas tem todas as condições
de superá-las e seguir sendo um instrumento fundamental para o Rio Grande do
Sul voltar a crescer. A comunidade gaúcha, que inclusive é dona da empresa, tem
que ter atenção para que não se crie uma cortina de fumaça que faça com que
deixemos de ter uma empresa extremamente importante para o desenvolvimento do
Estado”, defende Lopes.
Sul21: Qual a dimensão dos problemas enfrentados hoje
pelo Badesul, que foram apresentados pelo jornal Zero Hora como se fossem um
grande escândalo, envolvendo uma suposta gestão temerária do banco durante o
governo Tarso Genro?
Marcelo Lopes: O estopim de toda essa crise, aparentemente,
é o descredenciamento do banco pelo BNDES. Achei muito estranho que tenha
ocorrido isso porque o rating do Badesul junto a Austin (empresa
classificadora de risco de crédito) é A- e o do BRDE é A. O Badesul tem um
colchão de liquidez em grande parte fruto do processo de capitalização do banco
durante o governo Tarso Genro, que passou de 520 para 700 milhões de reais de
patrimônio líquido. Esse aporte que o governo fez ao banco para dar sustento às
suas operações fez com que o Badesul tenha hoje 600 milhões de reais aplicados
em títulos do Tesouro.
Há outro indicador importante sobre a saúde financeira do banco, que é o
índice de Basileia, definido pelo Banco Central e que determina que as
instituições financeiras tenham um mínimo de 11% de volume de capital próprio
em relação aos seus empréstimos. Pois bem, o mínimo que o Bacen exige é 11% e o
Badesul tem um índice de Basileia superior a 13%. Esse foi um indicador
gerencial que definimos ainda no nosso período de gestão e que se mantém até
hoje. Além disso, não existe nenhum inadimplemento técnico ou financeiro do
Badesul com o BNDES. Inclusive, a presidenta do banco, Susana Kakuta, vem
reiterando isso.
Sul21: Quais foram as razões
apontadas pelo BNDES para o descredenciamento?
Marcelo
Lopes: O
governo do Estado, juntamente com a diretoria do banco, emitiu uma nota
apontando um conjunto de itens que teriam motivado a decisão. Entre eles, o
aumento da inadimplência e a própria situação do controlador que é o governo do
Estado. No entanto, os dados sobre a situação do banco não levam a uma
conclusão tão drástica como essa tomada pelo BNDES. Poderia até se ter reduzido
o rating do banco ou estabelecer um volume de desembolso menor, que o banco
poderia aceitar.
O
Badesul, nos últimos quatro anos, se transformou na maior agência de fomento do
Brasil. Somos maiores que a Investe São Paulo. O Badesul tem metade dos ativos
de todas as agências de fomento do Brasil. E há um contrato firmado entre o
Badesul e o BNDES regulando essa relação. No mínimo deveria ter ocorrido uma
comunicação formal da diretoria do BNDES ao Badesul, o que, pelas informações
que tenho, não aconteceu. Estranho o que ocorreu, tanto pela forma como se deu,
como pelos indicadores do banco.
Sul21: E quanto ao problema com as
empresas inadimplentes. O que ocorreu?
Marcelo
Lopes: No início
do governo Tarso Genro nós definimos uma política industrial para o Rio Grande
do Sul, algo novo na história das políticas públicas de desenvolvimento aqui no
Estado. Houve uma política pública bem formulada que priorizou uma série de
setores estratégicos para atuação e que definiu alguns instrumentos como a
criação da AGDI (Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento)
e o fortalecimento do Badesul sob a liderança de Mauro Knijnik, nosso
secretário de Desenvolvimento e presidente do conselho do banco, que trouxe
toda a experiência de quem foi secretário da Fazenda e presidente do BRDE.
Para dar
sustentação ao crescimento das nossas operações, recebemos em torno de R$ 300
milhões de capitalização do governo neste período. Além disso, parte dos
recursos que foram captados pelo governo junto ao BNDES também foi destinada à
capitalização da instituição. Também havia algumas reservas de lucros que,
tradicionalmente, eram utilizadas pela Secretaria da Fazenda e que passaram a
ser destinadas para a capitalização do banco. Com isso, o patrimônio líquido
passou de R$ 520 milhões para mais de R$ 700 milhões neste período. Isso nos
deu lastro para promovermos o crescimento da carteira. Quando assumimos, a
carteira de crédito do Badesul era de aproximadamente R$ 1,5 bilhões. Nós
chegamos a R$ 4 bilhões de reais neste período. Mais do que dobramos essa
carteira, portanto, em quatro anos.
Tudo isso
foi feito com a equipe profissional do Badesul. Todos os profissionais que
atuam no banco são servidores de carreira que conhecem operações de
financiamento de longo prazo. Nós financiamos em torno de mil projetos por ano.
Em quatro anos, foram cerca de quatro mil projetos. Foram mais de R$ 1,6
bilhões destinados a agropecuária. Fomos um parceiro forte do programa Mais
Água, Mais Renda que dobrou a área irrigada no Rio Grande do Sul e a
produtividade das nossas lavouras em quatro anos. Além disso, apoiamos projetos
em setores estratégicos nas diferentes regiões do Rio Grande do Sul, como estes
dois que têm sido pauta maior de discussão agora, o da Iesa Óleo e Gás e o da
Wind Power.
O projeto
da Iesa Óleo e Gás vinha no sentido de estruturar uma política nova do governo
gaúcho para a criação do polo naval do Jacuí. Já tínhamos o polo naval de Rio
Grande praticamente consolidado e com dificuldade de área para novas empresas
se instalarem lá. O governo, através da AGDI e da Secretaria de
Desenvolvimento, propôs aos municípios da região a extensão do polo naval para
o Jacuí. A Iesa foi a primeira empresa que veio para nuclear o projeto, para
produzir módulos e plataformas aqui. A expectativa que se tinha naquele momento
era que pelo menos mais três empresas se somariam ao projeto do polo naval do
Jacuí.
O projeto
da Iesa que nos foi apresentado era de R$ 80 milhões. O Badesul emprestou R$ 40
milhões para a empresa, tendo como garantia a área onde seria construído o
empreendimento, mais as garantias evolutivas, o que é tradicional nos projetos
de longo prazo. A Iesa, naquele momento, firmou no Palácio Piratini um contrato
para a fabricação de módulos no valor de 700 milhões de dólares e que poderia
chegar a 900 milhões. A empresa iniciou a operação, gerando 1.600 empregos, e
tinha indicadores muito positivos naquela época. Tinha aumentado 46% o
faturamento nos últimos dois, três anos e capacidade técnica para produzir os
módulos aqui. Não havia razão para a agência de fomento do Rio Grande do Sul
não financiar esse projeto num setor estratégico como o de óleo e gás.
Na
sequência, financiamos outro projeto no polo de Charqueadas, que foi o da
Metasa, tradicional empresa de Marau que criou uma nova unidade para fornecer
parte das estruturas metálicas que a Iesa ia utilizar na construção dos
módulos. Esse projeto teve um montante de financiamento semelhante ao da Iesa e
está lá operando até hoje. O caso da Wind Power é semelhante a estes que acabei
de citar. É uma subsidiária da empresa multinacional argentina Impsa, que tem
mais de cem anos de história e veio ao Brasil como o segundo maior investimento
argentino aqui no país. Essa empresa foi apresentada para nós através da
Eletrosul. Todos os parques eólicos aqui do sul, em Santa Vitória do Palmar,
Santana do Livramento e Chuí, desenvolvidos pela Eletrosul, tiveram contratos
firmados com a empresa.
Fazia
sentido fazer essa fábrica aqui porque eram investimentos expressivos com um
volume grande de equipamentos. A Wind Power instalou inicialmente uma planta em
Pernambuco, financiada pelo BNDES. Portanto, a métrica de avaliação que foi
aceita por nós aqui também o foi pelo BNDES, que financiou essa planta de
Pernambuco. Grande parte do custo desses projetos é de natureza logística.
Praticamente cada anel da torre de um aerogerador, cada corpo do aerogerador ou
a pá do mesmo necessita de um caminhão para ser transportado. De Pernambuco
para cá, esses equipamentos teriam que vir de navio e, quando chegassem aqui,
ainda teriam uma etapa de transporte rodoviário, em um processo bastante
dispendioso. Então, fazia todo o sentido para a empresa colocar essa planta
aqui no Rio Grande do Sul para atender os parques eólicos da Eletrosul e outros
que fossem sendo instalados no Estado.
Houve um
apoio muito forte do Estado para que essa indústria viesse para cá. Hoje,
quando andamos pelo Rio Grande do Sul, vemos como cresceu a quantidade de
aerogeradores instalados. Além de darmos suporte para a instalação desses
parques de geração de energia eólica, estávamos apoiando a instalação de um
cluster para a produção aqui no Rio Grande do Sul dos equipamentos utilizados
nestas plantas.
Sul21: O que deu errado com esses
projetos?
Marcelo
Lopes: No caso
da Iesa, ela acabou atingida por toda essa crise envolvendo a Petrobras que, no
momento em que avaliamos a operação, ainda não havia acontecido. Os indicadores
eram excelentes. Não tínhamos motivo para não apostar no projeto. O projeto da
Wind Power também apresentava números excelentes. A empresa vinha com um
faturamento crescente e chegou a ter 12% do mercado de aerogeradores
brasileiro. Não havia nada que desabonasse esse investimento. O que a empresa
nos reportou quando começou a entrar em crise foi um desentendimento com a
Eletrobras em um dos parques eólicos que ela tinha em Santa Catarina. A
Eletrobras, unilateralmente, deixou de pagar a energia que a empresa estava
gerando no parque, o que provocou um desequilíbrio no fluxo de caixa. Depois, a
Eletrobras perdeu judicialmente e a empresa recebeu os atrasados, mas não
conseguiu recompor o seu fluxo de caixa e deixou de cumprir seus contratos,
inclusive aqueles que tinham sido colocados como garantia para o Badesul, o que
é algo usual nesta indústria. Trabalha-se com os recebíveis da empresa como
garantia para um determinado projeto.
Esses são
os dois projetos que têm gerado maior polêmica. É importante dizer que eles
foram completamente provisionados durante a nossa gestão. Quando a nossa gestão
terminou, em dezembro de 2014, as duas operações estavam provisionadas e
tivemos ainda um resultado positivo de R$ 1 milhão. Em 2015 e 2016, conforme as
manifestações que tenho ouvido da presidente Kakuta, tivemos um conjunto de
empresas financiadas pelo Badesul que entraram em recuperação judicial dentro
de um processo de crise da economia brasileira. O que aconteceu na nossa
economia, a partir do segundo semestre de 2014 pra cá, foi algo que nenhum
analista econômico ou financeiro poderia prever. Ninguém avaliava que
entraríamos em uma crise política e econômica tão profunda como a que entramos.
Em 2015, cabe lembrar, o PIB brasileiro caiu 3,8%. Hoje, no primeiro semestre
de 2016, temos um aumento de 100% do número de recuperações judiciais no
Brasil, desemprego na casa dos 10,5% e uma retração no consumo.
"É preciso
trazer essa questão para o patamar real do problema. Há um problema, mas ele
não tem essa dimensão que está se tentando produzir”. (Foto: Guilherme
Santos/Sul21)
Esses
fatores, obviamente, impactaram as empresas. Mas todas as empresas que foram
elencadas para receber aportes do Badesul tinham perspectivas positivas na
época. Todos esses financiamentos seguiram os ritos técnicos de contratação,
começando pela avaliação de uma equipe de analistas de crédito, passando pelo
superintendente da área onde a operação estava locada, pelo comitê de crédito,
comitê de diretoria e quando era o caso, dependendo do porte da operação, pelo
conselho de administração da empresa. Todas as operações neste período passaram
por todas as instâncias técnicas do banco e todas elas tinham as garantias
necessárias para serem contratadas.
Sul21: Em que medida a
inadimplência da Iesa e da Wind Power afeta a saúde financeira do Badesul?
Marcelo
Lopes: Como eu
disse, o volume de crédito das duas somadas chega a R$ 90 milhões (50 milhões
na Wind Power e 40 milhões na Iesa), mas esse valor já havia sido completamente
provisionado em 2014. Então, ele não resultou impacto no balanço do banco de
2015 e 2016, sendo completamente lançado em provisão na nossa gestão ainda.
Sul21: Na tua avaliação então, a
dimensão que vem sendo dada ao problema em recentes matérias na imprensa seria
maior do que é na realidade?
Marcelo
Lopes: Acho
que tivemos um conjunto de matérias sóbrias, a partir do momento que se
discutiu o episódio do descredenciamento do Badesul pelo BNDES que, repito,
considero exagerado, pois o banco não tem indicadores tão ruins para merecer
essa atitude por parte do BNDES, como a presidente Susana Kakuta vem afirmando,
aliás, em suas entrevistas. Esse tema gerou matérias sóbrias até a publicação
desta última matéria da Zero Hora que apresenta todo outro cenário que não se
sustenta. O dano da matéria pode ser maior que o dos problemas enfrentados pelo
banco. A comunidade gaúcha, que inclusive é dona da empresa, tem que ter
atenção para que não se crie uma cortina de fumaça que faça com que deixemos de
ter uma empresa extremamente importante para o desenvolvimento do Rio Grande do
Sul.
É preciso
trazer essa questão para o patamar real do problema. Há um problema, mas ele
não tem essa dimensão que se tentou produzir com essa matéria. A comunidade
precisa ficar unida em torno da empresa para que ela seja preservada e
reforçada como foi no nosso período. Ela tem um quadro extremamente
qualificado, está capitalizada, sabe fazer operações de longo prazo, que são
fundamentais para o desenvolvimento e precisa ser preservada para se somar ao
BRDE e ao Banrisul no financiamento do desenvolvimento do Estado. O Estado do
Rio Grande do Sul, que tem cada vez menos instrumentos para promover o seu desenvolvimento,
não pode prescindir do Badesul.
Sul21: Pode haver aí uma estratégia
velada de alguns setores para usar essa decisão do BNDES como um pretexto para
privatizar ou extinguir o banco?
Marcelo
Lopes: Eu
convivi bastante com a presidente Susana Kakuta, desde que ela foi presidente
do Tecnosinos. Ela interagiu muito conosco em nossas missões internacionais.
Tenho certeza que ela tem uma missão clara sobre a importância de um
instrumento como o Badesul para o desenvolvimento do Estado. O mesmo se aplica
a Pery Francisco Sperotto Coelho, vice-presidente do Badesul nas últimas três
gestões, que também tem consciência clara da importância do banco no
financiamento do agronegócio, por exemplo. Temos ainda na diretoria a Jeanette
Lontra, que foi a nossa superintendente do setor público, que também tem
compromisso com essa visão que reconhece a importância do crédito de longo
prazo para o desenvolvimento. Todas essas pessoas têm esse compromisso.
Imagino
que não passe pela cabeça do governo fazer isso porque seria um erro
estratégico enorme abrir mão de um instrumento tão importante. O banco passa
por uma dificuldade, mas tem todas as condições de superá-las e seguir sendo um
instrumento fundamental para o Rio Grande do Sul voltar a crescer. Não podemos
abrir mão do Badesul. O Brasil não tem financiamento de longo prazo estruturado
fora dos bancos públicos. Não é o Bradesco ou o Itaú que farão esse tipo de
financiamento. Entre as propostas que vem sendo apresentadas do que deveria ser
feito para o crédito se tornar palatável para os investidores participarem de
projetos de parcerias público-privadas, por exemplo, está o estímulo de
financiamentos que aceitem como garantia a receita futura dos projetos, que foi
exatamente o que nós fizemos no projeto da Wind Power. Os bancos públicos sabem
fazer projetos de financiamento de longo prazo e os recebíveis são parte do que
as empresas podem dar como garantia em projetos de montante elevado. *Marco Weissheimer/Sul21 |