A lógica geral é: se o Estado não tem recursos para
investimentos, deixemos que a iniciativa privada o faça. Assim como ocorreu no
governo Britto, o acordo de renegociação da dívida, firmado por José Ivo
Sartori com o presidente interino Michel Temer traz como uma de suas contrapartidas
a obrigação de privatizar empresas públicas.
A exemplo do que ocorreu no governo Fernando Henrique
Cardoso, Temer já acenou com a possibilidade de usar o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para "financiar” novos processos de
privatização. No Rio Grande do Sul, a Sulgás, a Companhia Estadual de Energia
Elétrica (CEEE) e o Banrisul são os alvos mais cobiçados dos defensores das
privatizações.
O governo Britto vendeu a CRT, parte da CEEE e planejava a
privatização do Banrisul, que acabou barrada pela eleição de Olívio Dutra. As
privatizações da CRT e da CEEE foram apresentadas, na época, como soluções para
resolver o problema da dívida do Estado, o que acabou não ocorrendo. Empresas
públicas foram vendidas e a dívida seguiu aumentando.
Receita dos anos FHC: Ajuste fiscal e privatizações
Em 1996, Britto assinou um contrato de refinanciamento da
dívida do Estado com o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso
(PSDB). Esse acordo, na época, foi apresentado como a solução definitiva para a
crise financeira do Estado que estaria pronto, assim, para ingressar em um novo
ciclo de desenvolvimento.
José Ivo Sartori, na época, era deputado estadual. Como
parlamentar, presidiu a Assembleia Legislativa e foi líder do PMDB no governo
Britto. Os estados que assinaram esse acordo foram obrigados a adotar planos de
ajuste fiscal e programas de privatização de patrimônio público.
Atual contrato da dívida foi firmado com a União pelo então
governador Antônio Britto (PMDB), durante o governo de Fernando Henrique
Cardoso (PSDB). Na época, O hoje governador Sartori era, na época, líder do
PMDB na Assembleia Legislativa. (Foto: Divulgação/AL-RS)
Vinte anos depois, a história parece se repetir. No dia 20
de junho, Temer anunciou a suspensão do pagamento das dívidas dos Estados até o
final do ano, e o alongamento da negociação dessas dívidas por 20 anos. O
acordo inclui os Estados na Proposta de Emenda Constitucional 241/2016,
atualmente tramitando na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos
Deputados, que prevê, entre outras coisas, a limitação dos gastos públicos e
exige a privatização de ativos públicos dos Estados.
"Um dos mais vigorosos ataques ao serviço público”
Na avaliação do Sindicato dos Servidores da Justiça do Rio
Grande do Sul, esse acordo representa um dos mais vigorosos ataques ao serviço
público já praticados na história do Brasil. "Tal qual em 1996, quando o então
governador Antônio Britto (PMDB) negociou com Pedro Malan a reindexação dos
valores da dívida gaúcha colocando a venda do Banrisul como exigência, o Rio
Grande do Sul terá que entregar patrimônio e arrochar os serviços públicos por
duas décadas. Reajustes aos servidores? Só a reposição inflacionária do ano
anterior. Gastos com saúde e educação? Desvinculados do orçamento”.
Na mesma linha, o Sindicato dos Escrivães, Inspetores e
Investigadores de Polícia do RS (Ugeirm) adverte que os termos desse acordo,
combinados com a possível aprovação da Lei da Terceirização, no Congresso, e do
PL 44/2016, na Assembleia Legislativa, abrem as portas para uma privatização
brutal do Estado. O PL 44 escancara a porta para a privatização da saúde, da
educação, da ciência, da tecnologia e da comunicação pública, defendemos
sindicatos.
Para o líder da bancada do PT na Assembleia Legislativa,
deputado Luiz Fernando Mainardi, o projeto do governo Sartori é entregar o
Estado e os serviços públicos à iniciativa privada. O modus operandi é o mesmo
dos governos Britto e Yeda, acrescenta a deputada Stela Farias (PT): "corta
despesas, atrasa salários, reduz as funções públicas e assim inviabiliza o
setor público, preparando terreno para a transferência das funções públicas
para a iniciativa privada”.
Em nota oficial, o PCdoB afirma que Sartori tenta criar um
ambiente que justifique a privatização dos setores essenciais do Estado. O PL
44, diz o partido, é um exemplo disso ao autorizar o repasse para as
Organizações Sociais da gestão de escolas e hospitais que poderiam passar a
contratar sem concurso público. "A mobilização dos estudantes fez com que o
governo recuasse temporariamente, mas a ameaça continua aberta diante do
agravamento do quadro das finanças”, adverte o PCdoB.
"O céu é o limite”
Um dos protagonistas do processo de privatizações no governo
Britto ocupa um posto chave hoje no governo Sartori. Cristiano Tatsch, que
presidiu a CRT no período da privatização, é hoje o secretário estadual de
Planejamento, Mobilidade e Desenvolvimento Regional. Tatsch é um dos
responsáveis pelo projeto de redução do Estado do governo Sartori que prevê
extinção de fundações e de empresas públicas, transferência da gestão de
serviços públicos para as OS e parcerias público-privadas. "O céu é o limite”,
resumiu Tatsch em entrevista aoJornal do Comércio, em 2015.
Entre as empresas e fundações visadas por essas políticas,
estão: Companhia Riograndense de Artes Gráficas (Corag), Companhia Riograndense
de Mineração, Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), Fundação para o
Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH), Fundação Estadual de Produção e
Pesquisa em Saúde, Fundação Zoobotânica, Procergs, Companhia Estadual de Silos
e Armazéns (Cesa) e Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás). A
primeira vítima foi aFundaçãodeEsportee Lazer do Rio
Grande do Sul (Fundergs), já extinta por Sartori.
A semelhança entre os dois governos peemedebistas aparece
também no discurso utilizado por Britto e Sartori ao apresentar suas políticas
como a solução para a crise financeira do Estado. Em 1996, Britto afirmou que o
acordo com a União estava libertando o Rio Grande do Sul do maior obstáculo que
o Estado tinha para o seu desenvolvimento."Graças à reforma do Estado,
considerada modelo pela imprensa nacional, o RS é o primeiro a renegociar a
dívida”, comemorou, na época, o jornalista José Barrionuevo, então colunista
político do jornalZero Hora.
Vinte anos depois, Sartori repete Britto e diz que o novo
acordo cria condições para o Estado avançar para além de 2018, quando termina
seu governo. Esse suposto avanço, tanto para Britto como para Sartori, depende
da aprovação da chamada "reforma do Estado”, que inclui as privatizações e
extinções de fundações e empresas públicas. *Sul21
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