Ambas as medidas trazem grande risco de erro. E os erros vão
além da violação de direitos individuais, pois prejudica a própria redução da
criminalidade, uma vez que o Judiciário, sem querer, está indicando um caminho
de redução de riscos para a atividade criminosa.
Se um criminoso que ainda não foi pego tem a quem delatar
como carta na manga, o risco de vira a ser punido fica reduzido com a
jurisprudência da delação. E isto é um incentivo para ele continuar perpetrando
seus crimes, ao invés de fazê-lo parar.
Afinal, se não for pego fica com tudo o que roubou. Se for
pego e ainda que perca parte do amealhou em seus crimes, a pena pela sua
condenação – reclusão domiciliar com tornozeleira eletrônica – é equiparável à
aposentadoria em um "resort" de luxo. A delação tornou-se um
"plano B" de aposentadoria para um criminoso do colarinho branco e
sem escrúpulos.
A banalização das prisões preventivas com apelo midiático
sacia a opinião pública de quem já tem escrúpulos, mas para mentes criminosas a
alternativa da delação torna sua atividade de crimes menos arriscada e mais
recompensadora. O resultado, no conjunto da obra, mais cedo ou mais tarde, será
o aumento da corrupção, obviamente com métodos aperfeiçoados, diferentes dos já
descobertos.
A sociedade ganharia mais se a Justiça fizesse o óbvio pelo
caminho do equilíbrio: engavetasse menos, investigasse sem delongas para obter
provas materiais de forma a levar à condenação de criminosos milionários sem o
estímulo da "aposentadoria" em uma vida de luxo, via delação.
Peguemos o exemplo do senador Aécio Neves (PSDB-MG), um dos
que mais citados em delações premiadas.
A chamada Lista de Furnas é escândalo público e notório
desde 2005. Está nas gavetas até hoje. Onze anos depois, aparecem vários
delatores confirmando a lista, o esquema, os envolvidos, tudo. Se tivessem
investigado a sério desde 2005 já haveria gente condenada e nem teria o que
delatar sobre este fato em 2016. Haveria menos impunidade com menos criminosos
premiados.
Quando estourou o mensalão, em 2005, Aécio era governador e
estava no ar a campanha publicitária "Déficit Zero" do governo de
Minas feita pela agência de publicidade de Marcos Valério. Parece até
provocação – ou certeza de impunidade – o governo tucano de Aécio trazer de
volta à publicidade governamental mineira os mesmos empresários que já
respondiam processo de improbidade administrativa pelo mensalão tucano de 1998.
E parece cegueira dos ministérios públicos estadual e
federal não terem visto e investigado discrepâncias na contabilidade do Banco
Rural fornecida à CPI dos Correios diferente da que deve ter o Banco Central e
que, segundo delação do ex-senador Delcídio do Amaral 11 anos depois,
comprometeria o senador Aécio Neves e o ex-senador Clésio Andrade.
O próprio Marcos Valério, na iminência de nova condenação
pelo mensalão tucano de 1998, só agora em 2016 negocia delação premiada
incriminando políticos tucanos, antes poupados. Houvesse mais investigação e
menos engavetamento em todos esses anos, o que ele tem a delatar já seria do
conhecimento dos investigadores há muito tempo.
A sensação de impunidade de 1998 e 2005 incentivou novos
casos de corrupção nos anos seguintes. No último domingo (26), o jornalFolha
de S. Paulotrouxe a manchete "Sócio da OAS relata propina a
tesoureiro informal de Aécio". O sócio é o empreiteiro Leo Pinheiro. A
propina seria de 3% sobre a principal obra da gestão do tucano no governo de
Minas, um faraônico palácio de governo chamado de Cidade Administrativa. O
tesoureiro informal citado na manchete é Oswaldo Borges da Costa Filho, do
círculo familiar do tucano, e dono do jatinho particular usado pelo senador.
Quando Aécio era governador, nomeou Oswaldo presidente
presidente da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig),
estatal mineira com orçamento bilionário que custeou a obra. A confirmar a
delação, Oswaldo seria uma espécie de Sérgio Machado do Aécio e desempenharia
na Codemig papel semelhante ao que Dimas Toledo teria desempenhado em Furnas.
Essa delação não surpreende quem acompanha veículos de
imprensa alternativos e blogs que não blindam tucanos, pois evidências de
malfeitos em torno da obra foram publicadas há mais de seis anos.
A própria licitação da Cidade Administrativa deixa suspeitas
claras de combinação para evitar concorrência. Para construir os três prédios,
conciliou nove empreiteiras vencedoras (pelo menos seis delas envolvidas na
Lava Jato), organizadas em três consórcios. Cada consórcio construiu um dos
prédios. Nenhuma empreiteira se repete, nenhuma ganhou a concorrência no lote
da outra.
Causa mais estranheza a construção de dois prédios iguais
(com a mesma técnica construtiva e os mesmos materiais) ter sido dividida em
dois lotes: um consórcio de três empreiteiras ganhou a construção de um prédio,
e outro consórcio (também de três empreiteiras) ganhou a construção do outro
prédio, e ambos ficaram praticamente igualzinhos.
Ora, se um consórcio ganhou um dos prédios com preço menor,
teria de construir os dois, pois nada justifica pagar mais caro pelo outro
praticamente igual. Se os preços foram iguais, a caracterização de formação de
cartel fica muito evidente.
A oposição aos tucanos em Minas chegou a denunciar o fato,
blogs publicaram e um inquérito chegou a ser aberto em Minas. Mas a necessária
investigação fica nas gavetas durante anos sem se aprofundar. De novo o sistema
judiciário se move apenas por atos extremos: ou engavetamento ou delação.
Deixando Aécio de lado, lembremos do caso Sanguessuga de
2006. Provas robustas, dezenas de parlamentares e prefeitos indiciados, parte
denunciados. Mas cadê a condenação? Muitos deputados daquele escândalo estão aí
até hoje reeleitos, inclusive votando no impeachment. Um exemplo recente é o
deputado Nilson Leitão (PSDB-MT). Quando a aceitação da denúncia foi a
julgamento, nem chegou a se tornar réu, pois já estava prescrito.
A política estaria mais decente, o Congresso Nacional
estaria mais limpo, e os governantes honestos livres de achaques, se o sistema
judiciário trocasse o excesso de prisões preventivas que ao longo do tempo não
traz maiores consequências na redução de crimes, por investigações efetivas e
condenações definitivas, com menos engavetamento. E corruptores e corruptos
teriam mais medo de descumprir a lei se as delações não fossem tão premiadas
como têm sido.
Hoje virou heresia criticar excessos de delações e prisões
preventivas. Mas será que a opinião pública continuará aplaudindo quando a
revista Caras fizer uma edição sobre a doce vida de delatores
milionários presos a suas tornozeleiras eletrônicas? Isso enquanto o cidadão
trabalhador honesto é condenado a levar uma vida de privações, por políticas de
combate a corrupção tão disfuncionais que levaram Michel Temer ao poder para
impor "austeridade" à classe média e aos mais pobres, enquanto as
grandes fortunas, inclusive com tornozeleiras, continuam não sendo tributadas. *RBA
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