Para se ter uma dimensão da gravidade da situação, em 2014,
2.783 pessoas perderam a vida em acidentes ligados à atividade profissional. Em
valores, foram pagos R$ 9,3 bilhões em benefícios relacionados a acidentes ou
doenças de trabalho. Diante do volume de ocorrências e o impacto que as mesmas
geram, tanto econômico com o afastamento do profissional e indenização, quanto
social, celebra-se nesta quinta-feira o Dia Internacional das Vítimas dos
Acidentes e das Doenças do Trabalho. A data foi estabelecida pela Organização
Mundial do Trabalho (OIT) em 2003, em referência ao dia 28 de abril de 1969,
quando uma explosão em uma mina nos Estados Unidos provocou a morte de 78
trabalhadores.
Neste ano, a temática para marcar a data é o ‘‘Estresse no
Trabalho —Um Desafio Coletivo”. O tópico não poderia ser mais pertinente,
especialmente neste momento de instabilidade financeira e pressão, por alguns
segmentos, por resultados e metas. Segundo o presidente da Associação Nacional
de Medicina do Trabalho, Zuher Handar, o ambiente profissional é o local ideal
para abordar assuntos que busquem a proteção da saúde do profissional. Isso
porque é neste mesmo espaço em que há potenciais fatores de riscos.
Gestor do Programa Trabalho Seguro no Tribunal Regional do
Trabalho da 4ª Região (RS), desembargador Raul Sanvicente explica que é
necessário avançar em ações que reduzam esses índices, como a promoção da
cultura da prevenção de acidentes, estimulando o treinamento e o uso de
equipamentos de segurança e a criação de um ambiente agradável de trabalho. Só
em 2015, foram ajuizadas cerca de 11 mil ações envolvendo acidentes e doenças
na Justiça do Trabalho no RS.
Sanvicente reconhece que os dados oficiais da Previdência,
apesar de elevados, ainda não refletem a realidade. "Acreditamos que na
informalidade há um volume considerável de casos que acabam ficando de fora dos
registros”, enfatiza. Na busca dessas informações, o desembargador destaca o
trabalho realizado em parceria com os departamentos de saúde pública. "Quando
um profissional informal ou autônomo sofre um acidente de trabalho acaba por
recorrer ao atendimento público, assim é uma maneira de identificá-lo”, diz o
desembargador.
Parte de uma "guerra" silenciosa
Os acidentes de trabalho são considerados pelo Ministério
Público do Trabalho (MPT) como parte de "uma guerra silenciosa”. Coordenador
estadual de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho do MPT-RS, o procurador Ricardo
Garcia os define como uma infração das empresas, mas que impactam no
trabalhador. "O adoecimento é um acidente que acontece no escuro e em câmara
lenta”, destaca. Para ele, é preciso mudar a concepção de que o acidente é
imprevisível e individual, porque na verdade tem impacto no coletivo.
Segundo a assessora de saúde do SindBancários e Fetrafi-RS,
Jaceia Netz, o perfil dos acidentes de trabalho tem mudado nos últimos anos.
Especificamente sobre os bancários, ela afirma que pesquisa recente mostra que
mais de 50% das doenças são relacionadas a transtornos mentais leves, como
depressão, pânico e ansiedade. "É uma questão muito séria, mas que ainda tem
recebido pouca atenção”. Ela abordará o tema em debate promovido pelo Fórum
Sindical de Saúde do Trabalhador, sobre os acidentes, que ocorre nesta quinta-feira,
às 8h30min, no SindBancários, em Porto Alegre.
Para Sanvicente, do TRT da 4ª Região (RS), a questão
envolvendo os transtornos mentais provocados pelo trabalho é ainda um ‘terreno
pouco conhecido’. Segundo ele, é possível enxergar um aumento desses casos, mas
nos dados oficiais representam menos de 3%. A OIT já considera que os
transtornos mentais estão presentes em cerca de 50% dos casos de acidente de
trabalho. Entre as situações mais comuns estão a violência urbana, que pode
gerar transtornos pós traumáticos, as cobranças excessivas de metas e o assédio
moral constante.
"Saiu para trabalhar e nunca mais voltou"
No dia 13 de dezembro de 2011, o pedreiro João Vanderlei
Ferreira deixou a sua casa em Viamão para ir ao trabalho, numa obra em Porto Alegre.
Porém, durante o dia, acabou caindo do 12º andar da edificação e veio a
falecer. A tragédia não só abalou um dos filhos, que trabalhava junto com o pai
e viu o acidente, como desestruturou toda a família. "As coisas jamais foram
iguais. Estávamos casados há 23 anos e tínhamos seis filhos. Não houve
despedida, nada. Ele saiu para trabalhar e nunca mais voltou”, relembra a viúva
Maria Catarina.
Ela recorda que enfrentou muitas dificuldades, além das
econômicas, as emocionais. O filho que estava presente no momento ainda tem
dificuldade em lidar com a situação, até porque aniversaria um dia antes do
acidente. "Foi horrível. Abalou toda a família”, afirma. O advogado Charles
Tizato ressalta que esse não é um caso isolado e há muitos ligados à construção
civil, porém comemora ao afirmar que a situação está mudando. "É possível ver
que o empregador está mais preocupado com o funcionário.”
Exemplo disso são as ações chamadas regressivas
trabalhistas. Movidas pela Procuradoria-Geral Federal (PGF), da Advocacia Geral
da União (AGU), buscam cobrar do empregador os gastos com indenização ou
benefícios pagos pelo INSS a funcionários que sofreram acidentes e seus
familiares. Esses valores são devolvidos ao INSS. Em 2015, mais de R$ 10
milhões foram para os cofres do INSS como resultado da ação da PGF. *Correio do Povo
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