Na Casa Brasil, espaço que CUT e parceiros dos movimentos
sociais manterão na Universidade El Manar, as discussões tiveram como tema
principal a participação social e as democracias. No plural.
Conforme lembrou o ex-governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, nem mesmo
durante a Constituição de 1988, num ambiente de mudanças, reformas fundamentais
como a agrária e a política aconteceram de cima para baixa, pois encontraram um
Congresso sob pressão de forças conservadoras.
Para ele é preciso construir um trabalho social e comunitário capaz de mudar a
correlação de forças na sociedade e depois no Executivo, Legislativo e
Judiciário. Sem transformar esses quatro setores, qualquer mexida no modelo
social será paliativa, ressaltou.
Primeiro governador a implementar o orçamento participativo numa gestão
estatal, Dutra destacou também que a proposta foi construída por movimentos
sociais a partir do velho argumento do governo sobre a ausência de recursos
para atender às demandas da periferia.
A ideia é que as pessoas tenham conhecimento de como funcionam as receitas
públicas e decidam em conjunto sobre temas que variam da isenção de impostos
até quais as prioridades de obras sob responsabilidade das três esferas de
poder.
"Casar a democracia representativa com a participativa faz com que o regime
democrático não seja episódico. Temos que construir um modelo em que as pessoas
sejam protagonistas e não objetos da política. Não dá para discutir receitas
com ricos e despesas com pobres”, definiu.
Além da burocracia –Da mesma forma que Olívio Dutra, o Movimento Passe
Livre (MPL) representado pela militante Letícia Cardoso também defende que a
definição do modelo de atuação do Estado não pode ser apenas técnico e
burocrática.
Para ela, não há maior especialista em transporte público do que os cidadãos.
"Acreditamos mais na participação direta do que na representatividade. O
direito à cidade não existe se não puder se movimentar por ela”, definiu.
País em mutação
Representante da Euro Mediterrâneo na Tunísia, organização em defesa dos
direitos humanos, Lillia Rebaï falou sobre a experiência da Primavera Árabe no
país e do papel das ruas nas transformações.
Ela lembrou que as mudanças ocorreram após o vendedor ambulante Mohamed
Bouazizi atear fogo ao próprio corpo para protestar contra o desemprego e a
perseguição policial. A partir daí, cada marcha serviu como processo de
conscientização da sociedade sobre a capacidade de construir a própria
história.
Até chegar à queda do ditador tunisiano Zine El-Abidine Ben Ali por meio
de um movimento em defesa da dignidade, democracia e trabalho.
Os protestos se repetiram contra as ações do primeiro governo transitório para
sufocar manifestações num país em que a taxa de desemprego varia entre 17%
(para os não graduados) e 29% (para trabalhadores com gradução) e contra a
tentativa de manter representantes de Ben Ali no poder.
Voltaram ainda quando parlamentares tentaram substituir o termo igualdade entre
homens e mulheres pela complementariedade entre os gêneros.
"Ao contrário de Líbia, Egito, Siria, Argélia e Marrocos, onde movimentos
acabaram depois da jornada ou as nações agora vivem em guerra civil ou
ditadura, aqui a relação entre a organização da sociedade civil, os movimentos
populares, a luta por participação nas urnas e a democracia representativa são
fatores de esperança para que a construção da democracia continue”, disse
Rebaï.
Apesar da nova Constituição e do fim do regime de Ben Ali, há ministérios e
órgãos do Estado ainda com representantes do antigo ditador. Na plateia, um
tunisiano destacou que não é possível falar em democracia num país colonizado
em que os rostos mudam e o regime permanece. A possibilidade de criticar,
porém, já é um avanço.
Governo quer poder
Avanços que ocorrem também em outros países africanos. Representante da JOINT,
uma liga de ONGs (Organizações Não Governamentais) em Moçambique Manuel do
Rosário conta que, após 16 anos de guerra civil, há mudanças como um
observatório de revisão conjunta anual entre governo e sociedade civil
A participação social, porém, depende da institucionalização de processo,
avaliou, para que não seja apenas um ato formal. Sem parâmetros de atuação
claros, o governo pode se apropria dos espaços públicos e impõe obstáculos como
a legalização e reconhecimento do Lambda, grupo que atua em defesa dos direitos
de (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros).
Há ainda casos em que o sistema político dificulta a representatividade por
meio de ações que poderiam ser positivas. O sistema de voto em lista é um caso.
O problema é que em Moçambique o cidadão escolhe apenas o partido sem conhecer
os candidatos, o que, segundo ele, dificulta a cobrança dos eleitos. Aliado à
revisão do sistema eleitoral a cada cinco anos, o modelo dificulta a
transparência.
"O governo pode até adotar políticas democráticas, de inclusão, mas fará de
tudo para se manter no poder. Diante disso é preciso tentar ser ativo, crítico
e usar o espírito de solidariedade para unificar os irmãos em luta”,
apontou. Â *CUT
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