Em contestação aos dados oficiais, participantes de uma reunião nacional que congregou representantes de 23 estados do Brasil produziram a Carta de São Paulo,
na qual expressam seu desagravo ao teor do relatório. Por meio do
documento, entidades ligadas ao Sistema Nacional de Vigilância Sanitária
contestam em 16 pontos os resultados da Anvisa e exigem providências
pela mudança de metodologia, que subestima os reais perigos dos
pesticidas e induz a uma falsa percepção sobre o cenário no país.
"Os maiores meios de comunicação […] noticiaram: ‘99% dos alimentos
no Brasil estão livres de risco à saúde causados por agrotóxicos’. A
Anvisa não realizou nenhum esclarecimento público com a mesma amplitude a
respeito do entendimento equivocado”, sinaliza um dos pontos da carta. Órgãos estaduais também encaminharam posicionamentos de contestação
ao relatório. No Paraná, documentos foram elaborados pelo Ministério
Público Estadual (MP-PR), por meio do Centro de Apoio Operacional das
Promotorias de Defesa do Consumidor (Caopcon). Além deste, a Secretaria
Estadual de Saúde questionou os resultados.
"A Anvisa modificou o critério do que considera saudável e apenas
considerou o consumo imediato na análise dos danos”, esclarece a
promotora de justiça Cristina Corso Ruaro, do MP-PR. Antes, a fórmula
avaliava os perigos da ingestão de produtos com agrotóxicos a longo
prazo – ao fim de um ano, dois, cinco ou ao longo de toda a vida.Â
"Basta observar o aumento da incidência nos casos de câncer, que não é
detectado no momento do consumo”, diz. Nova metodologia
Segundo alerta assinado pelo Caopcon,
o documento apresentado pela Anvisa "desconsiderou o efeito crônico da
contaminação por agrotóxicos, potencialmente relacionados a agravos como
câncer, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico,
entre outras doenças degenerativas”. Nas amostras, informa o Centro de
Apoio, casos que não apresentam efeitos imediatos na saúde do consumidor
foram tidos pela Anvisa como não importantes e deixam antever que podem
ser ingeridos com segurança.
Um dos produtos mais contaminados, por exemplo, é a alface. "A pessoa
come uma verdura, certa de ter tomado uma decisão saudável, e no fim
está consumindo veneno”, avalia a promotora. "Obviamente ninguém vai
para o hospital por ingerir duas ou três folhas de alface, e essa foi a
fórmula adotada pela Anvisa. Porém, é com o tempo que as doenças
aparecem, e a situação é bastante grave”.
No mesmo texto, a Anvisa recomenda higienizar os alimentos com água
corrente para eliminar resíduos de agrotóxicos, "com uma bucha ou
escovinha, […] considerando que a fricção igualmente auxilia na remoção
de resíduos químicos presentes na superfície do alimento”. Para a
promotora do MP-PR, o que está em jogo a indústria dos agrotóxicos: o
Brasil lidera o raking mundial no consumo de veneno e ainda permite o
uso de pesticidas como o glifosfato, já proibido em diversos outros
países. "Se uma agência oficial do governo federal emite uma declaração
como essa, ela dá aval generalizado para a utilização desses produtos
nos alimentos”, define Cristina Ruaro.
"Agora, compete ao MPF adotar as medidas necessárias: pode-se
recomendar a modificação do relatório ou partir para a decisão judicial
para questionar essas informações”, informou a promotora do MP-PR.
Amostragem
O estudo da Anvisa avaliou 25 tipos de alimentos presentes na dieta
da população brasileira. Foram consideradas 12.051 amostras coletadas em
revendas e supermercados varejistas nas capitais do Brasil.
*Carolina Goetten – Brasil de Fato
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