"No país, a produção e o consumo de agrotóxicos seguem
ditames capitalistas da chamada Revolução Verde, dos anos 1960, segundo os
quais somente com a utilização intensiva desses insumos é possível alimentar a
população mundial, quando sabemos que é por meio da distribuição de renda. Além
disso, o país prioriza o incremento da produção por meio do agronegócio, que
utiliza largamente agroquímicos e sementes transgênicas, relegando a
preservação da saúde humana e do meio ambiente como entraves para o desenvolvimento",
disse. "Nos países desenvolvidos, saúde e meio ambiente estão integrados
no padrão de consumo."
O portfólio de produtos da Bayer para a agricultura inclui
26 inseticidas, dois herbicidas e um fungicida. A norte-americana Monsanto
produz sementes convencionais – sendo dois cultivares de soja, três de milho e
um de algodão – e as transgênicas. Nessa categoria estão um cultivar de soja,
seis de milho e quatro de algodão. A empresa ainda fabrica o herbicida Roundup,
à base de glifosato, o mais vendido em todo o mundo.
Para a Bayer, a fusão significa mais acesso a sementes,
inclusive transgênicas, de soja e trigo. Para a Monsanto, é completar sua linha
de produtos com mais de 80 agroquímicos hoje produzidos pela alemã.
Não é a toa que esses conglomerados, além da Basf, Dow e Du
Pont, maiores fabricantes de agroquímicos do mundo, vêm adquirindo empresas de
sementes nos últimos anos. Além de reduzir o custo de produção de itens
diferentes quando se trata de uma mesma companhia – a chamada economia de escopo
–, a empresa ganha também ao vendê-los para o mesmo cliente por meio de
supostas facilidades.
É o que acontece quando o produtor rural compra sementes e
agroquímicos do mesmo fabricante acreditando estar economizando. Em geral,
porém, o desconto no preço da semente está embutido no preço do agrotóxico.
"Perfeita" como arroz e feijão, essa combinação
vai reconfigurar o mercado mundial de sementes e agrotóxicos, concentrando o
mercado, definindo preços, aumentando lucros e dividendos para os acionistas. E
para isso, deverá redefinir estratégias de venda voltadas às especificidades
dos países. No Brasil, por exemplo, há avanço de projetos de lei que afrouxam a
legislação vigente, permitindo maior utilização de agroquímicos.
Desde 2009, a agricultura nacional – sobretudo com o
agronegócio – transformou o país nomaior consumidor mundial, que consome
em média um milhão de toneladas de agrotóxicos por ano. Algo em torno de 5,2
quilos de veneno por habitante, muito mais do que os 1,8 quilos por habitante
consumidos em 2012 nos Estados Unidos. O aumento do consumo no país, que na
última década foi de 190%, deve-se principalmente à utilização crescente das
sementes transgênicas, que produzem plantas capazes de sobreviver mesmo com banhos
de veneno cada vez maiores e mais tóxicos.
Quanto maior o consumo dessas tecnologias, menor a segurança
alimentar. De acordo com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (Consea), o uso de agrotóxicos é uma das mais graves e persistentes
violações do direito humano à alimentação adequada no Brasil porque impede o
acesso da população a alimentos livres de veneno e saudáveis.
Para o Consea, ao consumir alimento contaminado, a população
não tem acesso a alimentos saudáveis e seguros, ficando exposta aos riscos de
desenvolvimento de várias doenças, como diversos tipos de câncer, distúrbios
endocrinológicos, neurológicos e mentais, além de mais chances de malformação
congênita, distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais.
Sem contar que as autoridades de saúde do país consideram
"limites seguros", que ignoram os efeitos da combinação de vários
agrotóxicos ingeridos em uma mesma refeição ou ao longo do mesmo dia.
Ameaçadores
Victor Pelaez lembra que, na União Europeia (UE), vigora
desde 2011 um marco regulatório do setor com regras mais rígidas. A aprovação
dos produtos está baseada na análise do perigo. Formulações associadas ao
desenvolvimento de câncer, malformações congênitas ou alterações endócrinas e
neurológicas estão proibidas independentemente da dosagem. A lista de
substâncias sujeitas a serem banidas inclui57 ingredientes ativos,
empregados em centenas de produtos.
"Isso terá efeitos significativos sobre estratégias de
investimentos, que deverão ser voltados para a América do Norte, Àsia e América
Latina", disse.
Segundo ele, até 2014 a Anvisa tinha cerca de 1.500
pedidos de autorização para produtos, 20% deles a base de substâncias passíveis
de banimento na UE. Usá-las no Brasil significa riscos de barreiras técnicas
comerciais aos produtos exportados para lá.
Como exemplo, o professor lembrou um caso ocorrido em 2011,
quando cinco cargas de suco de laranja brasileiro foram barradas nos Estados
Unidos por causa da utilização, no cultivo da fruta, de um fungicida em taxas
acima do limite permitido.
Enquanto países como o Brasil estiverem comprando esses
agrotóxicos, os fabricantes vão vendendo e continuam lucrando com princípios
ativos antigos.Os agroquímicos são produzidos principalmente a partir de
derivados de petróleo e outras substâncias encontradas na natureza, como cloro,
enxofre, nitrogênio, bromo e fósforo. O glifosato é feito com fósforo amarelo,
com grandes jazidas na China e nos Estados Unidos – daí empresas chinesas e a
Monsanto se beneficiarem.
"Porém, eles sabem que vai chegar a hora em que vão ter
de tirar esses produtos do mercado. Por isso já pesquisam a transição da
tecnologia química para a biológica, os biopesticidas, em que estão
identificando micro-organismos capazes de combater doenças", diz Victor.
Segundo ele, os estudos começaram há mais de dez anos e já
foram desenvolvidos pesticidas microbiais, que consistem em microrganismos;
pesticidas bioquímicos, a partir de substâncias encontradas na natureza, que
agem por meio de mecanismos não tóxicos, e pesticidas produzidos pelas próprias
plantas a partir de genes nelas implantados.
Muitas dessas pesquisas são realizadas por meio de acordo entreMonsanto,
Syngenta, Dow e Du Pont comempresas da área de biotecnologia, como
Preceres, Novozymes, Marina Biotech, Alnylam, PlantResponse Biotech,
Radiant Genomics e Caribou.
Os biopesticidas teriam como vantagens menor toxicidade que
os agroquímicos e uma suposta maior seletividade no combate aos alvos
biológicos indesejados. Além disso, teriam maior eficácia em concentrações
menores, decomposição em menos tempo e efeitos adversos ao meio ambiente mais
brandos.
Não é coincidência o avanço de projetos de lei polêmicos,
como o da reforma da Lei de Patentes brasileira. É o caso do PL 4.961/2005, de
autoria de Carlos Mendes Thame (PSDB-SP), que pretende autorizar que
substâncias extraídas de seres vivos e materiais biológicos sejam patenteadas. *RBA Foto: Arquivo ABR |