"É a mais significativa virada nas relações entre as grandes
potências desde o colapso da União Soviética”, confessa a revistaThe
Economist em editorial, depois de enunciar que a dominação norte-americana
está sendo desafiada, com capa em que jogam cartas os chefes de Estado dos
Estados Unidos, da Rússia e da China. A operação militar russa na Síria e os
acordos a que os norte-americanos foram obrigados a chegar para tentar evitar choques
entre seus bombardeiros e os de Moscou terminam de constituir a ideia de que há
uma nova Guerra Fria em curso. A Rússia intervém num país que considera sua
área de influência e empurra Washington a um acordo que formalize essa
definição.
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Tudo se encaminhava, há dois anos, para uma convergência de
interesses entre os Estados Unidos a Rússia, quando esta, valendo-se da
incapacidade norte-americana de criar as condições políticas para atacar a
Síria, conseguiu impor os meios para o acordo. O ataque à Síria seria o
prenúncio do ataque ao Irã – sempre desejado por Israel – e da generalização de
conflitos na região e com a Rússia.
O acordo abriu as portas para o entendimento com o Irã – com
o isolamento de Israel e Arábia Saudita – e tudo permitia prever um tempo de
mais acordos entre norte-americanos e russos. De repente, explodiu a crise na
Ucrânia, um limite para a Rússia e para os Estados Unidos. A Rússia não podia
permitir que um país nas suas fronteiras ingressasse na Otan – ferindo os
acordos assinados por Mikhail Gorbachev e Ronald Reagan. Washington não podia
tolerar que a Rússia recuperasse a Crimeia impunemente.
Foi o estopim que reverteu aquela tendência e instaurou o
clima da nova Guerra Fria. As represálias econômicas das potências ocidentais
contra a Rússia causam danos reais a esse país, que reciclou compras de
produtos agrícolas da Europa para a América Latina e faz um movimento
estratégico fundamental de acoplamento da sua economia à da China, enquanto
revela seu novo poderio militar na Síria.
Foi-se configurando um bloco que questiona a hegemonia do
bloco ocidental dirigido pelos Estados Unidos, tanto no plano econômico como
político e militar. Os Estados Unidos continuam sendo potência hegemônica no
mundo, mas ficou para trás – como constataThe Economist– o período
de cerca de duas décadas e meia de sua hegemonia absoluta no mundo. Hoje se
pode dizer que, com o Brics (o bloco que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul), já existe uma espécie de multipolaridade econômica no mundo, com
uma arquitetura distinta da de Bretton Woods – apoiada no FMI e no Banco
Mundial – em processo de construção, centrada no sul do mundo. As alianças da
Rússia com a China constituem o eixo dessa nova configuração – que incorpora
América Latina, ou parte dela, e parte da Ásia.
Os elementos de força do campo dirigido por Washington estão
no plano militar, tecnológico e econômico, mas os próprios Estados Unidos, como
principalmente Europa e Japão, vítimas de prolongada estagnação econômica e
intranscendência política, estão em processo de decadência. Enquanto o bloco
dirigido por Rússia-China, mesmo em inferioridade militar, econômica e
tecnológica, está em processo de fortalecimento. A primeira metade do novo
século encontrará uma nova configuração de poder no mundo. *Rede Brasil Atual
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