Questionado sobre ser o nome do PT para a sucessão em 2018,
diz que acredita na vitória de Dilma agora e no surgimento de novas possibilidades
– quadros "mais jovens, inteligentes, competentes”. Mas deixa aberta a
possibilidade: "A gente nunca pode falar ‘não sou’”.
Parte
1: O povo tem de estar alerta
O PT e o PSB foram aliados históricos no Brasil. Nesta
eleição, se separaram. Qual o impacto dessa separação? Tem volta, ou a opção do
PSB pelo Aécio aumenta a distância?
Primeiro, eu sou muito agradecido à minha convivência com o
PSB durante todo o tempo em que nós estivemos juntos. Na medida que o PSB
decide ter candidato e toma a decisão de ser oposição ao nosso governo e ao PT,
ele escolheu um caminho. Isso necessariamente não precisa ser definitivo, pode
ter sido nestas eleições, quem sabe em outra a gente possa estar junto. Eu não
tenho como pedir para as pessoas não serem candidatas, porque eu só cheguei à
Presidência da República pela minha teimosia. Acho que o fato de o PSB ser vice
do Alckmin (em São Paulo) é uma coisa ideologicamente delicada, já era do Beto
Richa no Paraná quando ele era prefeito, mas cada partido tem de ter autonomia
para tomar suas decisões. Espero que o PSB tenha consciência do que está
fazendo, porque eu acho que ele vai perder mais do que ganhar nesse processo.
Vamos esperar terminar o processo eleitoral, tem muita coisa para acontecer. Em
muita coisa podemos estar juntos, outra podemos estar separados. É assim a
vida.
E agora no PSB tem o fator Marina...
Eu não sei se a Marina ficará muito tempo dentro do PSB.
Porque uma pessoa que constrói o discurso que a Marina está construindo,
negando a política, ela tem de criar uma coisa fora da política. Eu sou
daqueles que acham que não é possível você mudar a política por fora da
política. Ela já saiu do PT, foi pro PV, saiu do PV, foi pro PSB. Só foi porque
não conseguiu construir o seu partido. Acho que ela vai criar o partido dela.
Se a Rede não conseguiu ainda se constituir, vai tentar agora.
E com relação à reforma política? Parece que agora todo
mundo é a favor. Foi feito um plebiscito, propondo uma Constituinte exclusiva,
mas pouco se discutiu nos meios de comunicação. É possível continuar
amadurecendo esse debate em direção à reforma política efetiva?
O Congresso que vai tomar posse em 2015 é a cara da
consciência política da sociedade brasileira no dia 6 de outubro. Ninguém pode
reclamar. O que precisa é ninguém esquecer o partido e o deputado em que votou.
Porque muita gente faz bravata contra política, e meia hora depois não
sabe nem em quem votou.
Eu acho que a reforma política passa a ser a mais importante
neste momento. Porque é impossível você lidar com Congresso com 32 partidos. Um
partido tem oito, outro tem cinco, quatro, três, dez... E não são partidos
ideológicos. São agrupamentos de interesses que não produzem uma coisa boa. A
reforma política vai ter de ter cláusula de barreira. Tem de valorizar a
questão partidária. O financiamento público. Na minha opinião, nós deveríamos
transformar o financiamento privado de campanhas em crime inafiançável. Porque
o financiamento público é uma coisa muito mais digna. Quanto vale um voto? Vale
R$ 1, R$ 10, R$ 15, cada partido recebe o equivalente àquilo, cada um vai
cuidar da sua campanha e a briga vai ser interna. E também a lista. Você pode
combinar uma lista em que o partido escolha os principais que ele quer eleger e
você pode dentro da própria lista dispor de nomes para o voto avulso. Hoje é
muito difícil num país como o nosso fazer uma política de coalizão. Porque a
direção às vezes não manda, às vezes a bancada manda, depois dentro da bancada
tem cisões... Você nunca consegue fazer um acordo com o partido, a bancada não
aceita... Tem sempre um grupo contra. Agora, eu acho difícil ela ser feita com
o atual Congresso.
A palavra "mudança” virou meio que um mantra nesta eleição.
Todo mundo fala que quer mudança, embora não fique muito claro qual. Mas houve
um certo avanço do conservadorismo no Congresso. Não há alguma contradição
entre aquelas reivindicações de mudanças, no ano passado, e esse crescimento de
uma bancada de um perfil conservador?
Eu dizia, logo depois das manifestações de junho: não pode
ter desgraça pior para uma nação do que a negação da política. Quando você nega
a política, o que vem depois é pior. Em qualquer parte do mundo. E a quem
interessa negar a política? Neste país, neste momento, a uma parte da elite,
sobretudo a uma parte dos meios de comunicação. Desacreditar a política. Faz
parte de uma política de dominação. E eu vejo que deputados reacionários foram
eleitos com votações estrondosas, em vários estados. Por isso que eu acho que a
reforma política é importante, por isso é que eu digo: se você não está
satisfeito com a política, entre na política, porque o político perfeito pode
estar dentro de você.
O Congresso Nacional que vai tomar posse em fevereiro de
2015 é a cara da consciência política da sociedade brasileira no dia 6 de
outubro. Ninguém pode reclamar. O que precisa é ninguém esquecer o partido e o
deputado em que votou. Porque muita gente faz muita bravata contra a política,
mas meia hora depois não sabe nem em quem votou. Não tem compromisso, isso é
que é ruim na política. Não é o cara votar na direita, na esquerda, no centro.
É o cara ter no voto um ato de desprezo, quando na verdade ele tem de ter a
certeza de que está colocando uma pessoa em que confia e que aquela pessoa vai
ser leal para defender o pensamento que motivou a votar nele. Ulysses Guimarães
dizia que toda vez que a sociedade fica dizendo que é preciso renovação,
renovação, renovação, o que vem é pior do que o que sai. Seria maravilhoso que
a negação da política resultasse em fazer com que milhões de jovens assumissem
o papel de fazer política. Mas não é assim que funciona. Quando eu vejo a
Marina falar "uma nova política, uma nova política”, qual é a nova política?
Por mais que a gente creia em Deus, a gente não consegue governar com a Bíblia.
A gente governa com a Constituição. E com o Congresso Nacional.
Esse perfil do Congresso torna mais difícil a relação do
Legislativo com o Executivo?
Eu ainda não tenho um quadro definitivo, mas fiquei sabendo
que a bancada ruralista cresceu. Isso significa que vai ter mais disputa. Se
existisse partido político de verdade, com as direções tendo controle, não
seria difícil, você num processo de coalizão acerta com a direção do partido o
papel de cada um no governo. Mas como os partidos são frágeis. É assim. Mas,
quando você governa, meu filho, você governa com o que você tem. O Congresso é
aquele, o Senado é aquele, o Poder Judiciário é aquele. E você não pode
reclamar, tem de governar. Com o movimento sindical, com o movimento social,
movimento sem-terra, morador de rua, com os catadores de papel, com LGBT. Tem
de conversar com todo mundo, mas tudo passa pelo Congresso Nacional.
A América do Sul teve um certo boom de governos de esquerda.
O Evo ganhou na Bolívia, no Uruguai a Frente Ampla é favorita. No Chile, voltou
a Michelle Bachelet. Agora, está todo mundo de olho no Brasil. Qual o peso da
eleição brasileira em relação ao futuro político do continente?
Eu não desejo pro meu pior inimigo que ele tinha qualquer
tipo de câncer para fazer a dosagem de quimioterapia que eu fiz, e a
radioterapia. Quando você está debilitado, muitas vezes pensa que acabou. E aí
quando eu me senti bem, eu disse "tô no jogo”, porque vou voltar a fazer
política, vou voltar a viajar pelo Brasil e ajudar a Dilma
A inspiração pode ser muito grande. Se a Dilma ganhar, isso
pode ajudar que outros povos se inspirem, votar em uma pessoa de esquerda. No
Uruguai, temos um pequeno problema, que a direita se organizou, terá um embate
muito duro, mas acho que o Tabaré (Vásquez) ganha as eleições. A vitória do (Juan
Manuel) Santos na Colômbia foi importante, porque ele demonstra ter mais
equilíbrio para discutir as coisas do que o ex-presidente Uribe. Fico torcendo
para que a Cristina (Kirchner) consiga eleger o seu sucessor na Argentina, que
seja uma pessoa que tenha uma boa visão do Brasil e da integração
sul-americana. Penso que a Dilma ganha no Brasil. E depois eu penso que nossa
agenda tem de retomar com mais força a questão da integração da América do Sul,
criar os instrumentos multilaterais que faltam, e fazer ela acontecer de fato e
de direito. Nós ainda não exploramos 10% do potencial de integração, seja do
ponto de vista do desenvolvimento econômico ou do desenvolvimento social. A integração
não é apenas uma questão de venda e compra, é dos sindicatos, é cultural,
política. Nosso Parlamento latino-americano precisa funcionar. Ainda faltam
algumas coisas para consolidar. E a gente não pode perder de vista a
importância da integração.
O outro cenário seria o realinhamento aos Estados Unidos?
Veja, se ganham os conservadores aqui, certamente o desejo
deles é, como é que eu diria sem ofender, é quase que se prostrar diante dos
Estados Unidos. Todo mundo sabe o que o Aécio pensa do Mercosul, da Unasul. Se
depender de algumas pessoas, se ganhar no Uruguai a direita, obviamente que
eles vão ficar todos de olho nos Estados Unidos.
Pouco antes de 2010, o senhor foi contundente em relação a
impedir a tramitação de um projeto que permitisse um terceiro mandato, por
achar que era prejudicial à democracia. E agora as pessoas têm o senhor como um
nome certo para a sucessão em 2018.
Deixa eu dizer uma coisa: quando falei que estava no jogo,
era também porque eu tinha saído de um câncer. E eu não tinha a menor noção do
que era um câncer, uma sessão de quimioterapia e depois de radioterapia. Eu não
desejo pro meu pior inimigo que ele tinha qualquer tipo de câncer para fazer a
dosagem de quimioterapia que eu fiz, e depois a radioterapia. Quando você está
debilitado, muitas vezes pensa que acabou. E aí quando eu me senti bem, eu
disse "tô no jogo”, porque vou voltar a fazer política, vou voltar a viajar
pelo Brasil, ajudar a Dilma naquilo que ela entender que eu posso ajudar,
voltar a ter uma relação com o movimento sindical, que está voltando a ser
economicista outra vez, para que não perca o debate político nunca. O debate
político é que dá dimensão da grandeza que nós temos. Em 1979, eu fui chamado
de traidor por 100 mil metalúrgicos, com um baita dum acordo. Em 1980, nós não
fizemos acordo, perdemos milhares de trabalhadores, não ganhamos nem a
inflação, e viramos heróis. Porque tínhamos um discurso político, criamos o PT,
criamos a CUT. Outro dia, conversando com alguns companheiros sindicalistas,
disse que está faltando um pouco de política na categoria. Falta debate,
entender o Brasil, entender o mundo. O papel do Brasil no mundo. Está faltando
também uma reformulação no PT, que precisa voltar a acreditar em produzir
algumas utopias. Por isso falei "tô de volta”.
Mas o senhor se considera "no jogo” para 2018?
De sã consciência, eu poderia dizer: eu não sou candidato,
já vou estar com 72 anos, eu vou cuidar da minha vida. Agora, quando você é um
ser político, pertence a um partido, é a causa que conduz você... Em 1978, eu
dizia assim: eu não gosto de político e não gosto de quem gosta de política. Eu
era um ignorante, na verdade. Três meses depois, eu estava num palanque
apoiando Fernando Henrique Cardoso para o Senado. Dois anos depois, eu estava
criando um partido político. Dois anos depois, eu estava candidato a
governador. Quatro anos depois, a deputado constituinte. Três anos depois, eu
era candidato a presidente da República. Vinte anos depois, cheguei à
Presidência. Então, a gente nunca pode falar "não sou”. Peço a Deus que nestes
próximos quatro anos, a Dilma ganhando as eleições – e vai ganhar, se Deus
quiser – faça um belo de um governo e que o PT e seus aliados construam quadros
mais jovens, inteligentes, competentes. E que eu possa ser apenas um cabo
eleitoral. Agora, eu jamais diria a você "não sou”. Jamais. Hoje não vejo
nenhuma necessidade. Tem tanta gente aí que vai crescer, que vai amadurecer... Â *Revista do Brasil
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