O ideal seria, portanto, que os setores democráticos e progressistas
da sociedade, a partir de um alto patamar de mobilização e de
capilarização desse debate, reunissem condições objetivas para um choque
radical de democracia e cidadania nesse sistema no curto prazo.
A convocação de uma Constituinte exclusiva para a reforma política,
com o mandado de seus integrantes encerrando-se com a conclusão dos
trabalhos, seguida da convocação de um plebiscito para que a população
chancele o texto elaborado pelos constituintes, teriam o condão de
revolucionar o jeito de se fazer política no país, removendo expressiva
parcela de seus vícios, imperfeições e distorções.
No entanto, aqui faço uso de um conhecido conceito marxista, segundo o
qual como instrumento de análise e intervenção na política, a realidade
deve ser a medida de todas as coisas. E a correlação de forças no
Congresso Nacional e na sociedade, hoje, está longe de oferecer as
condições para que operemos a mudança estrutural profunda exigida.
O que não quer dizer que as bandeiras da Constituinte exclusiva e do
plebiscito devam ser abandonadas. Ao contrário, seguirão como
referências, como eixos do projeto estratégico das esquerdas em uma
perspectiva mais de longo prazo.
Nada impede, contudo, que cerremos fileiras pela aprovação de
mudanças imediatas e possíveis no sistema. São bem-vindas, por exemplo,
novas regras que contribuam para o fortalecimento dos partidos
políticos. Precisamos urgentemente romper com a tradição da política
brasileira de partidos pouco ou nada programáticos. Essa geleia geral de
siglas sem perfil ideológico e programas claros é uma das causas da
degradação do sistema.
A adoção do voto em lista fechada, pré-ordenada, é um passo
fundamental para o fortalecimento das agremiações partidárias. Os
críticos da lista argumentam que sua implementação reforçaria o poder
dos caciques partidários, como se eles já não dessem as cartas no
sistema proporcional vigente, e que tiraria do eleitor o direito de
conhecer e votar nos candidatos de sua preferência, menosprezando a
importância do eleitorado conhecer as ideias defendidas pelo partido do
candidato. E sem partidos fortes não há democracia que mereça esse nome.
Para reduzir o poder de influência dos caciques, poderíamos criar a
figura das eleições primárias para a composição da lista. Dessas
primárias, participariam não só os filiados ao partido, mas qualquer
cidadão no gozo de seus direitos políticos e que tivesse interesse em
participar.
Cabe assinalar que o voto em lista fechada só tem sentido se vier
acompanhado do financiamento público das campanhas. Embora a proibição
do financiamento empresarial contribua para o saneamento do sistema, as
campanhas no Brasil ainda estão entre as mais caras do mundo.
Urge torná-las mais baratas e acessíveis ao maior número possível de
candidatos. A verdadeira montanha de dinheiro gasta nas campanhas, todos
sabem, está na raiz da abertura dos cofres públicos aos financiadores
dos candidatos, como compensação. Não é exagero dizer que o
financiamento privado, por parte de pessoa física ou jurídica, é a mãe
dos esquemas de corrupção na política.
Mas é forçoso reconhecer que as mudanças aqui sugeridas provocariam
um giro de 180 graus na cultura política do país. Por isso, para quebrar
a resistência a elas, tanto o relator do projeto de minirreforma
política que tramita na Câmara, deputado Vicente Cândido, como o
responsável pelo relatório de uma das muitas iniciativas de reforma que
não foram à frente na Casa, deputado Henrique Fontana, ambos do PT,
apresentaram dispositivos para quebrar a resistência dos parlamentares.
Fontana propôs um modelo híbrido, com o qual simpatizo, através do
qual o eleitor votaria duas vezes : no primeiro voto, escolheria a lista
do partido de sua preferência; depois, optaria por um dos candidatos
dessa lista. Na prática, então, caberia ao eleitor a ordenação da lista.
O total de votos na lista partidária determinaria o número de cadeiras a
serem ocupadas por cada partido. Já o segundo voto definiria os
titulares desses mandatos. Teríamos um sistema proporcional misto.
Já o texto de Vicente Cândido mantém o voto em lista, mas propõe
outro mecanismo para o segundo voto : a escolha de candidatos que
concorram por distritos. Esse sistema vem sendo chamado de distrital
misto, uma cópia do modelo alemão. O fato é que tanto o voto em lista
como o financiamento público se inserem entre as medidas imprescindíveis
para que o país saia do atual atoleiro institucional.
*Wadih Damous – deputado federal e ex-presidente da OAB |