Segundo levantamento realizado pelo Instituto Data Popular,
para 75% da população – sobretudo das camadas C e D – o atual embate é fruto de
uma briga de poderes das elites.
Em entrevista ao programa Brasilianas.org, o presidente do
instituto, Renato Meirelles, destacou que "a narrativa do golpe é algo que fala
muito bem para os formadores de opinião e tem um certo apelo na
intelectualidade, mas fala muito pouco pra dona Maria e pro seu João”.
Portanto, as manifestações que tomam as ruas nos dois lados
da disputa política – a favor ou contra o impeachment – apesar de serem
significativas não correspondem a visão da população geral sobre o momento
político. Ainda, segundo pesquisa do Data Popular realizada no início do ano,
para 71% dos brasileiros os políticos opositores ao governo Dilma agem por
interesses próprios.
"Quando a população foi perguntada se os políticos
envolvidos na discussão do impeachment querem a saída de Dilma para melhorar a
vida das pessoas ou para tomar o lugar da presidente, a resposta para 75% dos
entrevistados foi 'para tomar o lugar de Dilma'”, acrescentou.
"Se pegarmos o perfil dos manifestantes pró e contra o
governo nas passeatas todas, veremos que é um perfil claramente mais rico que a
média da população brasileira”, completou o pesquisador, destacando em seguida
que entre os grupos a favor da saída de Dilma há um conjunto maior de
empresários. Já nos grupos pró governo, uma classe formada por funcionários
públicos, professores e intelectuais.
Um levantamento feito por outro instituto, o Datafolha,
confirma as ponderações de Meirelles, revelando que o perfil escolar dos
manifestantes dos grupos contra e a favor do impeachment é praticamente
homogêneo. Segundo a pesquisa, que comparou o público do dia 13 de março (pró
impeachment) com o público do dia 18 de março (a favor de Dilma), 77% dos
manifestantes contra o governo disseram ter nível superior de escolaridade, e
78% dos manifestantes contra o impeachment também. Dos dois lados, 18%
afirmaram ter o ensino médio completo, e 4% e 5%, respectivamente, o ensino
fundamental.
A média educacional dos manifestantes é significativamente
distinta da média educacional do país. Dados do IBGE de 2015 apontam que apenas
14% dos brasileiros tem formação universitária e 36% ensino médio completo ou
incompleto.
Ponte para o quê?
Não saber dialogar com o eleitorado é um grande problema
para o governo e explica porque não conseguiu mais adesão às manifestações
contra o impeachment e, com isso, fazer pressão sobre o Congresso para evitar a
aprovação do processo. A classe C compõe 54% do eleitorado.
Mas Meirelles analisa que a perda de capacidade de diálogo
com a população se estende a classe política como um todo. "É como se os
políticos fossem analógicos para o novo eleitorado que é digital, que quer se
sentir participante”.
O presidente do Data Popular ressalta que a população média
desconhece o plano de governo desenhado pelo vice-presidente, e um dos
articuladores do impeachment, Michel Temer, chamado Uma Ponte para o Futuro,
com propostas de baixíssima popularidade como a desobrigação do empregador
pagar o salário mínimo para o funcionário (desindexação do salário mínimo), e a
possível redução de investimentos em saúde e educação.
O erro dos governistas, portanto, foi não abrir essa
discussão de forma clara e participativa para as classes C e D aderirem a
mensagem que queriam passar.
"A narrativa do golpe, por mais justa que o governo
considere que seja feita, sem absolutamente entrar no mérito se é ou não golpe,
é uma narrativa que fala pra muito menos gente do que uma discussão de projeto
de país, e esse projeto de país que elegeu o presidente Lula duas vezes e
elegeu e reelegeu Dilma”, pontua Meirelles.
Estado mínimo?
O presidente do Data Popular aponta que a maior insatisfação
hoje para o brasileiro é a economia ruim. A população deseja um Estado que,
"claramente, faz parte do dia a dia e promove condições para que o brasileiro
tenha oportunidades que não teria sem a presença do Estado”.
A visão das classes C e D sobre o ideal de Estado é
contrária às visões idealizadas pelas camadas políticas que disputam o poder,
ou seja, de um lado a defesa do Estado mínimo, "dirigido por um CEO, e não por
um presidente”, ironiza Meirelles, e de outro lado a defesa de um Estado
robusto, com peso sobre a economia.
Conceitualmente, o nome do tipo de Estado que a população
geral deseja é Estado Vigoroso. "É um Estado que oferece sim vagas nas
universidades, mas que pode ser feito como é feito o Prouni, através da
iniciativa privada operando as vagas que são dadas”, explica.
"O brasileiro gostaria muito que existisse um código de
defesa do cidadão, nos moldes em que existe o código de defesa do consumidor.
Por exemplo, hoje quando passa três horas numa fila de banco ele sabe para quem
reclamar, mas quando passa três horas esperando na fila do SUS não sabe para
quem ligar reclamando”, completa.
*GGN
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