Mas a categoria "oportunidade” é enganosa. Pode parecer que
democratizar uma sociedade é dar oportunidade para todos. Uma belíssima
propaganda do Lula em uma de suas campanhas presidenciais era a imagem de um
jovem bradando por oportunidades. E, de alguma forma, dependendo de como a
interpretemos, se pode definir democracia como oportunidade para todos.
Mas as sociedades de mercado inviabilizam que as
oportunidades sejam igualmente para todos. Há poucos anos o PP, o partido da
direita espanhola, na Catalunha, usou como lema da sua campanha "não há para
todos”. É uma confissão sincera do caráter malthusianista das sociedades
neoliberais, em que há lugar apenas para alguns.
Na realidade a categoria chave de uma sociedade democrática
é a de direitos, direitos para todos. Todos, independentemente da idade, da cor
da pele, da identidade sexual, de qualquer outro tipo de opção, têm direitos.
Uma sociedade democrática é aquela em que todos têm todos os direitos.
As últimas eleições brasileiras tiveram uma dura polarização
entre um eleitorado que votou pelas políticas sociais do governo que mudaram
suas vidas e um que, mesmo tendo vivido essas mudanças, teve sua consciência
formada pelos grandes meios monopolistas de comunicação. Nos grandes centros
urbanos do centro-sul do Brasil, a votação a favor do candidato da oposição
chegou próximo a dois terços. Provavelmente metade de sua votação em todo o
Brasil foi composta de votos populares.
Foi uma polarização entre políticas sociais e formação da
opinião pública. Nas regiões em que as transformações das condições de vida
foram muito profundas – como o Nordeste –, Dilma teve sempre mais de 70%. Mas o
governo perdeu a disputa na formação da opinião pública e quase termina o
processo político iniciado em 2003 porque não se avançou praticamente nada na
democratização dos meios de comunicação, e se segue permitindo um massacre por
parte desses meios.
A política social solidária e humanista, que estendeu os
direitos a muitos milhões de brasileiros que antes nunca tinham sido contemplados
nas suas necessidades fundamentais, não foi acompanhada da formação da
consciência social dessa mesma população. Uma visão tecnocrata supunha que
bastaria pôr em prática políticas que beneficiam a população para se ter o
apoio dela. Sem se dar conta de que, entre a realidade concreta vivida e a
consciência das pessoas, se interpõem os mecanismos de formação dessa
consciência – no nosso caso, os grandes meios de comunicação.
Caso fosse julgada apenas pelo que fez no seu primeiro
mandato, Dilma tinha todas as condições de ser reeleita no primeiro turno. Se
computamos os beneficiários das políticas sociais, essa possibilidade só se
reforçaria. Mas não houve mecanismos de formação da consciência social desses
milhões de pessoas, que votaram pela sua intuição ou foram ludibriados pelos
mecanismos reiterativos dos meios de comunicação.
Se chegar a desenvolver mecanismos que favoreçam essa
consciência – responsabilidade dos que desenvolvem as políticas sociais, mas
também de todas as organizações sociais, políticas e culturais do campo popular
–, o processo de transformações iniciado há mais de 12 anos se tornará
consolidado e irreversível. Isso se dará quando a massa da população entender
que acesso a direitos não é questão apenas de esforço individual. *Emir Sader - Rede Brasil Atual
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