Como somente o ajuste fiscal causaria um novo contexto
nacional de finanças saudáveis, plenamente satisfatório à elevação das
expectativas dos empresários, a retomada do crescimento econômico brasileiro se
tornaria mera consequência. Justificável, portanto, a centralização do
funcionamento do governo federal – neste início de 2015 – em torno das
políticas de ajuste fiscal de curto prazo.
Mas, junto com isso, passaram a surgir contradições
importantes, talvez inesperadas inicialmente. De um lado, a posição dos
ministérios da Fazenda e do Planejamento comprometida com a adoção do programa
de austeridade fiscal, que atinge valor próximo de R$ 106 bilhões e se compõe
de três partes, a saber. A primeira a ser anunciada foi a de cortes nos
benefícios sociais (abono salarial, seguro-desemprego, seguro-defeso, pensão
por morte e auxílio-doença), impulsionada pela expectativa da economia de cerca
de R$ 15 bilhões.
A segunda parte do programa de austeridade fiscal
implementado compreendeu a alta nos tributos sobre combustíveis, cosméticos,
operações financeiras e produtos importados, entre outros. A arrecadação
adicional esperada pelo governo federal foi de quase R$ 21 bilhões.
Por fim, a terceira parte foi a retenção das despesas
orçamentárias (contingenciamento), que limitaram os gastos nos ministérios.
Para 2015, por exemplo, o governo federal contingenciou a soma de R$ 69,9
bilhões, o que equivale a reter R$ 1 de cada R$ 4 que havia previsto despender
no orçamento deste ano – os cortes serão nas despesas chamadas discricionárias
(aquelas que não obrigatórias, definidas pela Constituição federal, o piso
mínimo para educação e saúde, por exemplo).
A maior parte da retenção orçamentária veio do Programa de
Aceleração do Crescimento, que contribuiu com R$ 25,7 bilhões (39% do total
contingenciado), seguida de outras despesas como saúde, educação, transporte,
ciência e tecnologia, entre outras, representando R$ 22,8 bilhões (33% do total
retido). As emendas parlamentares contingenciadas envolveram a somatória de R$
21,4 bilhões (31% do total contido).
Com esse esforço gigantesco, a equipe econômica acreditou
ser possível garantir a realização de superávit fiscal equivalente a 1,1% do
Produto Interno Bruto de 2015. Ou seja, terminar o ano com um saldo positivo de
R$ 55 bilhões, resultado de receita líquida federal esperada de R$ 1,158
trilhão para uma despesa primária (sem contar gastos com juros) fixada em R$
1,103 trilhão.
Combinação contraditória
De outro lado, está a postura do Banco Central comprometida
com a elevação das taxas de juros. Somente nos primeiros seis meses do ano, a
taxa de juros subiu dois pontos percentuais (de 11,75% anuais em dezembro de
2014 para 13,75% em junho de 2015).
Considera-se que a cada aumento de um ponto percentual na
taxa de juros o custo total anual da rolagem da dívida do setor público
indexada à Selic eleva-se em torno de R$ 13 bilhões. Com isso, o Banco Central
sozinho contribuiu para o aumento das despesas públicas em R$ 26 bilhões por
força da alta nos juros somente neste primeiro semestre.
A combinação do programa de austeridade fiscal com a
elevação das taxas de juros provocou inexoravelmente o encolhimento da economia
brasileira. Diante da queda na renda nacional, a diminuição da arrecadação
tributária torna-se simples consequência. Estimativas iniciais apontam a
possibilidade de redução da arrecadação tributária em até 3% em termos reais, o
que poderia equivaler a algo próximo de R$ 50 bilhões a menos nos cofres
governamentais deste ano.
Eis aqui a contradição das políticas de curto prazo em 2015:
o programa de austeridade fiscal dos ministérios da Fazenda e Planejamento visa
à economia de R$ 106 bilhões, enquanto a ação do Banco Central, com a elevação
dos juros, e a recessão contaminando o caixa do governo envolvem cerca de R$ 76
bilhões. Ou seja, o imbróglio de seis meses do segundo governo Dilma
encontra-se entregue a uma batalha de R$ 30 bilhões capazes de fazer emergir o
grau de confiança dos empresários e, por assim, dizer, o retorno do crescimento
da economia nacional com base em investimentos do setor privado.
Sem superar essa armadilha de curto prazo, o horizonte do
crescimento dificilmente voltará a aparecer. Mas outra agenda é possível, uma
vez que o papel dos governos é o de trazer para o valor presente o que o povo
imagina ser apenas possível na forma de sonho.
O Brasil é um país em construção. Falta ainda de tudo, da
infraestrutura básica (saneamento, rodoviárias, ferrovias, entre outros) à
pesquisa científica e tecnológica. Essa deveria ser a agenda retomada, em que o
segundo Programa de Investimento em Logística recentemente anunciado poderia se
constituir em nova direção a seguir.
Na esteira desse rumo, a implementação de uma política
pública democraticamente negociada em defesa da produção e do emprego nacional
se colocaria essencial. São milhões de ocupações ceifadas pelo curso da
recessão que, acrescida da queda dos rendimentos do trabalho, aprofunda o
desgaste no interior da estrutura social e ameaça combinar-se com as faces
política e econômica da crise aberta.
Estancar o sofrimento humano, que resulta de um programa que
em vez de ajustar desajusta, deve ser prioridade, alcançável por meio da adoção
de outra agenda. O crescimento de uma economia como a brasileira não se
constitui de uma simples e natural confiança dos empresários, ainda que
fundamental, mas não o suficiente.
O sentido, a direção e a motivação geral que definem o
crescimento econômico dependem da confiança da sociedade no seu governo. O
programa atual de austeridade fiscal não tem conseguido estimular a maior
confiança tanto da sociedade como dos empresários. Para que outra agenda se
mostre capaz de recuperar a força do desenvolvimento, a combinação da
democracia com crescimento econômico e distribuição de renda deve seguir sendo
a principal força motriz.
*Márcio Pochmann
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