Mas não é só tamanho o que conta. Cada vez mais, os bancos
estão encontrando soluções para um problema no qual a maioria das empresas
tropeça: como reduzir a tensão entre as equipes de negócios - os profissionais
que vão usar o aplicativo ou sistema em elaboração - e o departamento de
tecnologia, responsável por sua execução.
As estratégias vão desde o estabelecimento de políticas para
contratar e formar pessoal até diretrizes para integrar as áreas sob um tecido
único, sem costura aparente, com foco na inovação. Isso começa necessariamente
com mudanças no padrão de governança e precisa partir das esferas mais elevadas
de gestão. "Hoje, toda decisão relevante de negócio passa pela
tecnologia", diz Maurício Minas, vice-presidente do Bradesco.
"Tecnologia não é mais um meio, é uma atividade-fim."
Com 5 mil profissionais especializados e plano de investir
R$ 5,7 bilhões em TI neste ano, o Bradesco consulta os 50 principais gestores
de negócios uma vez por ano para definir os projetos mais importantes. Ao longo
dos meses, as expectativas vão sendo ajustadas. Mas o foro decisivo é a própria
diretoria executiva do banco. É nesse nível de administração, o mais alto, que
se decide o destino prioritário dos recursos, uma maneira de privilegiar a
visão da instituição, e não de um ou outro departamento, explica Minas.
O Banco do Brasil estabeleceu uma área batizada de
estruturação de operações. A equipe, que conhece tanto de tecnologia como de
negócios, faz a intermediação entre os dois lados. "Antes não eram
definidas com clareza as necessidades de um projeto. Por isso, depois de pronto,
ele acabava rejeitado", diz Geraldo Dezena, vice-presidente de tecnologia
do BB. Agora, o sistema só segue para desenvolvimento depois de discutido em
detalhes. E as entregas são parciais para que não se tenha de esperar muito até
a conclusão final. O BB investe de R$ 3,5 bilhões a R$ 4 bilhões por ano em TI
e emprega 4,5 mil funcionários diretos.
A atenção dedicada à tecnologia reflete a necessidade do
setor de reduzir os custos e buscar eficiência para atender a um número
crescente de usuários. Em quatro anos, 20 milhões de pessoas passaram a ter uma
conta corrente no Brasil. O número aumentou de 83 milhões para 103 milhões
entre 2009 e 2013. No mesmo período, a porcentagem da população com acesso aos
serviços bancários aumentou de 49% para 57%.
Mas a corrida da tecnologia bancária também é estimulada
pelo aparecimento de companhias novatas, com modelos de negócio restritos, mas
potencialmente ameaçadores. É o caso das moedas virtuais - das quais o bitcoin
é o exemplo mais famoso - e dos sites de financiamento coletivo, o chamado
"crowdfunding".
Não é à toa que muitos bancos estão indo até empresas de
internet para observar seu funcionamento e tentar reproduzir esse ambiente de
inovação. Em um prédio na sede do Itaú no bairro do Jabaquara, zona sul de São Paulo,
dois andares lembram uma startup. As paredes têm painéis coloridos, divisórias
translúcidas exibem post-its e as paredes são lousas brancas para facilitar as
anotações durante um bate-papo informal. Cada funcionário pode levar para aonde
quiser seu "porquinho" (um pequeno armário colorido) e há mesas de
reunião até nos corredores. Nelas se sentam profissionais de vários
departamentos - jurídico, marketing, tecnologia etc - para formatar os novos
projetos tecnológicos do banco.
"A concepção departamental é antiquada. Percebemos que
se não quebrássemos esses muros não chegaríamos ao nosso objetivo", diz
Ricardo Guerra, diretor executivo de canais de atendimento do Itaú. O banco tem
6,5 mil profissionais de TI e planeja concluir neste ano um investimento de R$
11,1 bilhões iniciado em 2012.
Guerra, diretor do Itaú, onde a equipe de tecnologia tem
papel mais propositivo
Uma piada corporativa corrente é que os departamentos de
tecnologia levam o dobro do tempo combinado para concluir um trabalho, gastam duas
vezes mais, mas só entregam metade do que foi pedido. Com os grupos
multidisciplinares, diz Guerra, todos os envolvidos ficam a par das
necessidades e das limitações de recursos, o que cria uma expectativa mais
realista. A equipe de tecnologia também passa a ter um papel mais propositivo.
E em caso de falhas, a questão deixa de ser "de quem é a culpa?" e
passa a ser "porque não chegamos ao resultado?".
Os bancos também estão resolvendo outro dilema: a
dificuldade para encontrar profissionais e mantê-los na organização. Muitos
programadores jovens não veem problema em ficar pulando de uma empresa para
outra, seja por um salário melhor ou um ambiente de trabalho mais desafiador.
"Faltam profissionais. Existe um apagão de mão de
obra", diz Dezena, do Banco do Brasil. Como é público, o BB faz
contratações por concurso. Recentemente, promoveu um concurso específico para
tecnologia, mas em geral seleciona o pessoal entre quem já trabalha nas
agências e quer mudar de área. O treinamento dura dois anos, mas a transferência
ocorre antes disso, ao fim do primeiro ano. Para o banco, é uma maneira de
conseguir gente de TI familiarizada com o dia a dia da organização.
O BB também identifica os funcionários que estão para se
aposentar em um horizonte de três a quatro anos. A partir daí, faz um estudo
sobre o impacto dessas partidas e começa um treinamento, desta vez para
transferir o conhecimento.
Para atrair talentos em potencial, o Itaú promoveu no ano
passado seu primeiro "hackathon", uma maratona de programação. Ao
todo, 89 projetos foram inscritos por grupos de universitários. Seis foram
selecionados e levados para um hostel, em São Paulo, onde participaram de 36
horas ininterruptas de atividades. Os vencedores, da Universidade Federal de
Minas Gerais, tiveram conversas com executivos e foram levados ao novo centro
de dados do Itaú. "Quisemos mostrar a esses caras que as coisas que eles
buscam na carreira, como computação em nuvem, redes sociais e análise de dados,
também é o que queremos", diz Guerra.
Para os bancos, o recrutamento tornou-se uma questão
essencial porque a formação profissional precisa transcender a tecnologia.
"Antes, eles eram técnicos. Hoje, também precisam ter uma boa visão de
negócios. Só a habilidade técnica não basta", afirma Minas, do Bradesco.
A mudança reflete o que vem ocorrendo no topo da pirâmide
tecnológica dos bancos. A era dos chefes de tecnologia que falavam em bits e
bytes está praticamente encerrada. Nos últimos anos, à medida que a tecnologia
se tornava parte fundamental do negócio, esses profissionais galgaram postos
estratégicos e ganharam acesso aos principais centros de decisão. O exemplo
mais recente vem do Itaú. No mês passado, o banco reestruturou seu comando. Em
vez de nomear um único sucessor para Roberto Setubal na presidência do grupo,
criou três diretorias-gerais. Uma delas, assumida por Márcio Schettini, é de
tecnologia.
Não parece longe o dia em que um homem da tecnologia vai se
sentar na cadeira da presidência.
*Valor Econômico
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