Os setores de petróleo e gás, construção civil, agronegócio
e indústria automobilística estão gravemente comprometidos. O país está cada
vez mais dependente de uma pauta de exportação primarizada. Segundo Pochmann,
em entrevista ao jornalista Marco Weissheimer, do jornal Sul 21, em 2014, a
indústria representava cerca de 15% de todo o produto nacional.
"Em 2017, esse número deve chegar a algo em torno de 8% a 9%
do PIB, o que equivale ao que era o Brasil na década de 1910. A avaliação do
economista Marcio Pochmann, professor da Unicamp e ex-presidente do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), não recomenda nenhum otimista sobre o
futuro da economia brasileira nos próximos meses”, afirmou.
Leia, adiante, os principais trechos da entrevista ao Sul21:
— Como você definiria o atual momento econômico que o Brasil
está vivendo?
— Se olharmos do ponto de vista histórico, essa é a quarta
recessão que temos no país desde que o capitalismo aqui se instalou, sendo a
terceira do período em que o Brasil se tornou urbano e industrial. Essa é a
recessão mais grave do ponto de vista da desorganização do sistema de
investimentos do país. Não é apenas uma recessão no sentido da redução do nível
de atividade, mas também pelo processo de desinvestimento com o fechamento de
empresas no país.
A indústria que, desde a Revolução de 30, havia sido o vetor
principal do comando da acumulação capitalista no Brasil, praticamente vai se
desfazer com essa recessão. Já estávamos convivendo com uma fase de descenso da
indústria. Em 2014, a indústria representava cerca de 15% de todo o produto
nacional. Em 2017, esse número deve chegar a algo em torno de 8% a 9% do PIB, o
que equivale ao que era o Brasil na década de 1910.
Podemos até, em 2017, ter uma inflexão na recessão, mas isso
não significa que temos base sustentável para voltar a crescer, pois estamos
cada vez mais dependentes de uma pauta de exportação primarizada. Além disso, o
agronegócio está sendo atingido por uma série de denúncias. Os setores de
petróleo e gás, construção civil, agronegócio e indústria automobilística, que
foram importantes para viabilizar a recuperação da economia nos anos 2000, nos
governos do PT, estão muito comprometidos.
O Brasil está sem rumo. Talvez essa seja uma das coisas mais
graves que estamos enfrentando. Não há nenhuma discussão sobre um projeto
nacional. O país está totalmente contaminado pelo curtíssimo prazo.
— Qual o impacto que a agenda do governo Temer, com propostas
como a da ampliação da terceirização e da Reforma da Previdência, pode ter
nesta conjuntura econômica?
— O governo Temer é composto por duas forças que,
contraditoriamente, também expressam sua fraqueza. Uma é a capacidade de
organizar uma maioria no âmbito do Legislativo. Durante o ciclo da Nova
República, de 1985 para cá, dificilmente encontraremos um presidente com tanta
capacidade de formar uma maioria como vemos agora. Essa maioria se expressa na
perspectiva de que o próprio presidente Temer possa evitar a contaminação da
Lava Jato. É uma maioria que se organizou muito mais em torno do medo de estar
contaminada pelas investigações da Lava Jato, com a expectativa de que o
governo Temer possa amenizar os efeitos dessa operação.
De outro lado, há a força que vem de grandes setores
econômicos e midiáticos em torno das reformas neoliberais que estavam
planejadas para os anos 90 e que foram interrompidas pelo ciclo de governos do
PT. É isso que dá força ao governo Temer. No entanto, mesmo essa força tem uma
fraqueza, na medida que não encaminha um projeto de inserção do Brasil no
cenário internacional.
O que aconteceu semana passada com a aprovação da lei da
terceirização é expressão de um pensamento que vem desde os tempos do império.
Naquela época, esse setor das elites dominantes achava que as razões do atraso
do Brasil estavam relacionadas à presença população negra e não ao modelo
agrário exportador.
A solução que eles apresentaram para isso foi implementar um
processo de "branqueamento” da população, com a atração de imigrantes europeus.
Em 1872, dois terços da população brasileira eram compostos por negros e
indígenas. Como resultado desse processo, em 1940, cerca de 63% da população do
país já é branca. (…)
Demanda favorável
Agora, estamos vendo um terceiro movimento de flexibilização
da CLT que se dá num quadro recessivo e que, possivelmente, não deverá ter um
impacto positivo no nível de emprego, mas sim o rebaixamento das condições de
trabalho. Os empresários, em uma situação como essa em que não há grande
demanda por seus produtos, buscam sobretudo redução de custos. Como vivemos em
um país com taxas de juros extremamente elevadas, que tem crescido em termos
reais não obstante a taxa Selic ter caído nominalmente, e com um sistema
tributário com problemas, a redução de custos é o caminho mais fácil que os
empresários vão buscar para enfrentar a crise.
Os impactos dessas medidas na demanda serão desfavoráveis, o
que pode comprometer ainda mais uma possível recuperação da economia
brasileira. Há outros componentes que podem afetar essa possibilidade de
recuperação. Tivemos agora esse episódio envolvendo o agronegócio e a indústria
da carne. Estamos com problemas sérios envolvendo as administrações municipais
e estaduais. Além disso, se as terceirizações aprovadas agora forem
implementadas muito rapidamente, isso pode resultar no rebaixamento da taxa de
salários, comprometendo o consumo. Essa conjunção de fatores pode fazer com
tenhamos, em 2017, um terceiro ano recessivo.
— Você referiu que a participação da indústria na composição
do PIB brasileiro regrediu ao estágio de 1910. Há quem diga que a decisão
aprovada na Câmara dos Deputados liberando as terceirizações inclusive nas
atividades fim significa o cumprimento do projeto de FHC de "virar a página do
getulismo”. É isso o que está acontecendo, de fato?
— Nós temos uma polarização que é recorrente desde a
Independência. É uma disputa sobre o comando do desenvolvimento brasileiro.
Essa polarização já está presente em 1822 com José Bonifácio que defendia que o
Brasil não podia ser apenas um país rural e agrário e precisava ter uma base
urbana e industrial. Ao longo do Império, porém, a indústria brasileira nunca
teve força, com exceção de algumas iniciativas pontuais. Com a República, ela
passa a contar com o apoio de abolicionistas, como Rui Barbosa, que tem uma
perspectiva urbana e industrial.
No primeiro governo da República Velha, Rui Barbosa chega a
tentar um ensaio desenvolvimentista com base industrial a partir de uma
política de expansão do crédito, que não tem sucesso. A partir daí, temos mais
algumas décadas da República Velha sustentada no agrarismo.
A crise de 29, a revolução de 30 e o movimento tenentista
abre outra perspectiva para o Brasil, colocando a industrialização no centro da
agenda do governo. As Forças Armadas desempenham um papel importante neste
processo, pois se dão conta que, sem indústria, elas também não terão
capacidade de exercer as funções que imaginam ser fundamentais. A partir de 30,
temos um projeto vitorioso que vem até a década de 80, quando começa a sofrer
constrangimentos.
Setores contaminados
Acredito que o governo Temer, de certa maneira, é a pedra
que faltava para retirar as possibilidades da industrialização brasileira. Isso
não significa que não teremos indústria. Não teremos industrialização que é uma
coisa um pouco diferente. Até a década de 30, o Brasil tinha indústrias também.
Havia a indústria da banha, indústria alimentícia,
indústrias de bens de consumo não duráveis. Mas não existia industrialização
que é a centralidade da indústria do ponto de vista da acumulação de capital. É
ela que, ao expandir o seu próprio setor, contamina vários outros setores da
atividade econômica. O que temos hoje basicamente é a força do setor de
produção agro-mineral e o setor de serviços. São setores importantes, mas sem
capacidade de permitir um ritmo de expansão sustentável para um país com mais
de 200 milhões de habitantes.
Essa fase de descenso da indústria é uma longa fase de
decadência do Brasil. A história econômica do Brasil é permeada de ciclos
econômicos. Tivemos os ciclos do pau Brasil, da cana de açúcar, do ouro, do
café e assim por diante. A industrialização possivelmente tenha se transformado
num ciclo que teve seu auge e, a partir dos anos 80, vem apresentando sinais de
decadência.
Com o governo Temer, creio que não teremos mais condições de
ter industrialização porque o que vai sobrar serão algumas indústrias sem
capacidade de oferecer ao país um projeto de desenvolvimento sustentável de
longo prazo.
— Como você avalia a capacidade das forças políticas e
sociais que apoiaram os governos Lula e Dilma para enfrentar as medidas que vem
sendo aprovadas pelo governo Temer e suas conseqüências?
— Não acredito que o cenário que estou descrevendo até aqui
seja algo definitivo. É uma avaliação do momento que estamos vivendo. Mas é
possível virar essa página. Reconstituir a maioria política que viabilizou a
vitória longeva de uma frente liderada pelo Partido dos Trabalhadores. Mas essa
maioria foi muito fragmentada. Garantiu a governabilidade para repor aquilo que
o neoliberalismo havia retirado nos anos 90. (…) A crise que o Brasil vive hoje tem uma saída institucional. É a eleição de
2018, com chance de o PT ou uma frente de esquerda vencê-la. Mas, talvez possa
não haver 2018.
— Considerando essa comparação com 64, há um ator importante
que está em relativo silêncio na crise atual. As forças armadas que, inclusive,
têm alguns projetos seus sendo ameaçados pelo governo Temer. Como é o caso do
submarino nuclear. Na sua opinião, há alguma mudança qualitativa no papel das
forças armadas em relação aquele de 1964?
— Após o golpe de 64 houve um processo de despolitização das
forças armadas. Nos anos 50 e 60, as forças armadas eram muito politizadas.
Essa característica, se não foi eliminada, perdeu importância. A impressão que
eu tenho é que as forças armadas podem assumir um papel mais ativo. No caso de
uma ameaça constitucional. Alguma coisa identificada como insurreição ou
desorganização do sistema de segurança. Não me parece que elas possam repetir
uma iniciativa como a de 64. Até porque o cenário internacional está bastante
conturbado.
No governo Obama, deu-se uma presença muito grande dos
Estados Unidos na retomada da liderança no interior da América Latina. O
protagonismo assumido pelo Brasil certamente não contou com a aprovação do
governo norte-americano. Agora, porém, os Estados Unidos vivem problemas muito
mais significativos. E estão numa situação de maior insulamento, olhando para
os seus problemas. O governo Trump não parece muito preocupado com outras
realidades, diferentemente da política externa do governo Obama.
Então, o apoio externo que os golpistas tiveram em 64 não me
parece estar materializado hoje. Além disso, nem é preciso recorrer ao golpe
clássico para evitar que ocorram eleições em 2018. Há outras formas como
estamos vendo agora. Estamos vivendo um golpe e não estamos mais vivendo dentro
da normalidade democrática.
*Sul 21 - Por Marco Weissheimer |